O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella.| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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Há um duplo reacionarismo no debate brasileiro. O primeiro deles é de base cultural. Poderia chamá-lo de “conservadorismo de costumes”, mas sempre que faço isso alguém lembra que o termo conservadorismo é mais amplo, que há a grande tradição de Burke a John Kekes.

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Não é disso que estamos falando. É algo bem mais caseiro. Não se trata de Oakeshott, mas de Marcelo Crivella. O “militante de sua nostalgia”, na frase de Mark Lilla. Aqui pelos trópicos, seu grande momento foi a censura à revista com o beijo gay, na Bienal do Livro.

Luc Ferry criticou essa visão dizendo ser um absurdo supor que a natureza deva definir a ética. Perfeito. Hayek, em seu clássico Por que não sou um conservador, ironizou a posição que aplaude a gradual evolução dos costumes no tempo, mas decide que o raciocínio só vale para o passado. Em algum momento tudo deveria ser congelado.

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Movimento mistura conservadorismo de costumes com estatismo econômico

São críticas elegantes, que vão muito além do que merece o nosso conservadorismo de programa de auditório. Ele é legítimo e expressa a visão de uma parcela relevante do eleitorado, mas é um tigre sem dentes no mundo real da política. Rodrigo Maia nem sequer coloca seus temas em pauta no Congresso.

O segundo reacionarismo brasileiro diz respeito ao Estado e à economia. Ele tem apoios na academia, nos sindicatos e na intelectualidade bacana. Faz menos barulho, mas é mais efetivo. Seu mote é a defesa do Estado. Sua paixão são as autarquias e repartições públicas. O statu quo de nossas escolas e hospitais estatais quebrados, dos quais todos que têm recursos, incluindo-se aí a elite pensante, fogem como o diabo da cruz.

Sua pedra de toque é a rejeição de qualquer ideia de reforma do Estado. Foi assim nos anos 1990, à época da Emenda 19 à Constituição e da criação das organizações sociais; foi assim com a Lei de Responsabilidade Fiscal; foi assim mesmo quando Lula, em 2003, fez a minirreforma da Previdência com o apoio da oposição, do DEM e do PSDB.

Mais recentemente, foi assim com as reformas que o país fez a partir de 2016. A ridícula negação do déficit previdenciário, a defesa do velho imposto sindical. A lista é grande e conhecida. Sua última façanha é cruel: a recusa de que os estudantes possam fazer sua carteirinha pela internet, sem custos. Tudo para alimentar, ainda que pareça risível, os cartórios do movimento estudantil oficial.

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Ninguém percebeu, entretidos que andamos com bobagens do dia, mas um episódio na última semana reuniu os dois reacionarismos brasileiros. O prefeito Crivella resolveu reestatizar os servidos de atenção à saúde no Rio de Janeiro, extinguindo os contratos de gestão com as organizações sociais. A medida foi elogiada pelo PSol. Encontro do bispo com Marcelo Freixo, com tudo que tem direito. Engorda a máquina, abre concurso, põe o sistema sob o mando político. Tudo que soa “progressista” em dia de comício, mas inferniza a vida das pessoas comuns na segunda-feira pela manhã, na fila do posto de saúde.

Bolsonaro foi, no passado, uma síntese do reacionarismo brasileiro: conservador nos costumes, estatizante na economia. De uns anos pra cá se aproximou de posições liberais

O próximo teste para a modernização brasileira é a reforma administrativa. As hesitações de Bolsonaro são previsíveis. Bolsonaro foi, no passado, uma síntese do reacionarismo brasileiro: conservador nos costumes, estatizante na economia. De uns anos pra cá se aproximou de posições liberais, ainda que pareça sem sentido chamá-lo de um político liberal.

A reforma começou mal. Ela deveria ter sido apresentada logo após a aprovação da reforma da Previdência. Não foi. Deveria abranger não apenas os futuros servidores, mas também os atuais; deveria abranger todos os poderes, sem distinção, para ter força moral e capturar o apoio da sociedade.

De qualquer modo, é uma reforma a ser feita. O debate nem sequer iniciou, mas já milita no Congresso a Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, com o velho discurso do “desmonte do Estado”. A nostalgia no Brasil não tem lá grande criatividade, mas não duvido que possa ganhar o jogo.

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