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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em monitor durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, 24 de setembro de 2019
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em monitor durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, 24 de setembro de 2019| Foto: Drew Angerer/Getty Images/AFP

O discurso de Donald Trump na Assembleia Geral da ONU teve um alvo principal: a China. Em sua fala de cerca de 36 minutos, o presidente dos EUA, claro, tratou de outros temas também. Ao contrário de outros anos, entretanto, quando os focos foram principalmente as questões de segurança internacional, como a península coreana ou o Irã, em 2019 o cerne foi a China. As palavras novas mais duras foram contra a China.

Sinal de importância, seus comentários sobre a China ocuparam o trecho central de seu discurso. Depois das palavras introdutórias e de temas mais localizados, e antes do périplo de temas abordados rapidamente na parte final. Ao defender uma necessidade de reforma do comércio internacional, em que países “agem com muita má fé”, Trump, inicialmente, defendeu acordos bilaterais e regionais.

A revisão do antigo NAFTA com os vizinhos Canadá e México, citou que receberá Shinzo Abe para a conclusão de negociações para um acordo de livre comércio. Também afirmou que, assim que o Reino Unido concluir seu processo de saída da União Europeia, está pronto para negociar um grande acordo com o país, e já “avisei Boris Johnson” disso. Uma citação nominal em um dia de derrota para o premiê britânico.

Comércio com a China

Veio então a primeira bordoada na direção chinesa. Defendeu sua política comercial, e definiu as bases da economia chinesa com palavras que precisam ser reproduzidas: “fundamentada em maciças barreiras de mercado, pesados subsídios estatais, manipulação cambial, dumping de produtos, transferência forçada de tecnologia, roubo de propriedade intelectual e de segredos comerciais em grande escala”.

Não ficou por aí. Dizendo que por décadas a economia chinesa se aproveitou dos EUA, criticou a presença da China na Organização Mundial do Comércio, classificando-a como desastrosa e afirmando, com todas as letras, que a China trapaceia na OMC. Condenou a contradição de que a segunda maior economia do mundo use o status de “país em desenvolvimento” e tenha parâmetros mais complacentes.

Aqui cabe uma discussão, sobre esse ranqueamento das economias mundiais. Pelo Produto Interno Bruto nominal, ou seja, a mera soma da riqueza produzida em um país, a China é de fato a segunda maior economia nacional do mundo. Nesse mesmo critério, caso se considere a União Europeia como uma economia unida, a UE fica em segundo lugar, atrás dos EUA e acima da China.

O PIB nominal, entretanto, é criticado por alguns economistas e formuladores de políticas pois não leva em conta aspectos locais como custos de vida, flutuações cambiais e inflação. Para atacar esse problema, foi elaborado o PIB PPP, acrônimo em inglês para Purchasing Power Parity, Poder de Paridade de Compra. Talvez o mais conhecido exemplo de um índice PPP, para ilustrar ao leitor, seja o Índice Big Mac.

Pois bem, na medição do PIB PPP a China já é a maior economia do mundo, e os EUA estão em terceiro, atrás da União Europeia, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional. Claro que Trump jamais se referiria à economia chinesa como a maior do mundo, não apenas por divergências entre os índices mas também por razões políticas; ainda assim, é algo digno de discussão.

Hong Kong e uigures

Após essas palavras, Trump, como sempre, valorizou a liderança de Xi Jinping e disse que deseja um acordo, negociar algo que seja benéfico para ambos. Parecia ser mais um caso de a mão que bate é a mão que afaga, salvo uma diferença. A mão bateu de novo. Trump afirmou olhar com preocupação para Hong Kong e que deseja que a China “honre o acordo” feito com o Reino Unido e “depositado nas Nações Unidas”.

O acordo, de 1984, estipulou as bases para a devolução de Hong Kong e dos territórios ao redor, realizada em 1997. Pelos termos, por um prazo de cinquenta anos, a China é obrigada a reconhecer a autonomia legislativa e judiciária de Hong Kong. Foi a ocasião mais explícita em que Trump falou sobre o assunto, dizendo que “a maneira como a China responder (aos protestos) dirá muito sobre o papel que quer desempenhar”.

Esse tipo de declaração certamente não pegará bem em ouvidos chineses, já que, para Pequim, trata-se de um assunto interno chinês. Mesmo com autonomia, trata-se de uma região chinesa e de uma população chinesa. Então, frases como a de Trump são vistas como uma interferência externa, parte da disputa entre governo e os manifestantes pelo imaginário das pessoas. Um Trump imperialista interventor ou um Trump amigo defensor.

Junto com isso, hoje o Departamento de Estado dos EUA anunciou um painel sobre “repressão chinesa de uigures e outras minorias muçulmanas em Xinjiang”, que incluem “relatórios credíveis de tortura, vigilância arbitrária e trabalho forçado”. A reação chinesa será a mesma que a descrita acima: acusar de interferência em um assunto doméstico, junto com a estratégia de Tu quoque, o “você também”.

Outros temas

Por mais sedutora que possa ter sido para muitos ouvidos a introdução ideológica de Trump sobre heróis, bases nacionais, que o futuro é dos patriotas, a substância do seu discurso é contra a China. Um discurso muito bem escrito, com começo, meio e fim. Falou de índices de desemprego, trilhões de dólares em gastos militares. Nenhuma novidade sobre Irã; as acusações e o convite à negociação.

Após a fala sobre a China, enveredou em uma série de assuntos, todos de forma rápida. A Coreia do Norte foi quase uma nota de rodapé. Críticas ao Talibã por não ter cumprido sua parte nas negociações no Afeganistão. Falou da rota de migração na América Central, destacou o “respeito mútuo” com o México, disse que seu país “nunca será socialista” em meio às críticas contra Cuba, Nicarágua e Venezuela.

Criticou também as grandes redes sociais, com “poder imenso” que não podem cair em censura, além de destacar a importância de proteger os dados pessoais das pessoais para “salvar a democracia”; curioso, já que os EUA possuem o maior aparato de vigilância do mundo. Condenou países que reprimem pessoas LGBTQ, defendeu a liberdade religiosa, o direito de possuir armas e condenou o aborto de gestação.

Tudo isso, embora possa ser considerado mais ou menos importante para cada leitor, está longe de protagonismo do discurso. Perante a comunidade internacional, Trump focou-se em palavras fortes contra a China; algumas apropriadas. Quer galvanizar sua posição como único líder que “peita” os chineses. Trump esperou meses para falar sobre Hong Kong. Agora sabemos, foi para falar no principal palco do mundo, como ele mesmo definiu.

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