Ex-vice-presidente e candidato democrata à presidência, Joe Biden| Foto: JIM WATSON / AFP
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Na quinta-feira, dia 18 de junho, foram publicadas as primeiras médias nacionais de pesquisas eleitorais nos EUA. O candidato democrata Joe Biden está 9% na frente de Trump na preferência nacional. A conhecida plataforma FiveThirtyEight compila todas as pesquisas registradas e fornece as médias, variações, distribuição por região, um parque de diversões para quem se interessa por política, por estatística ou por ambos. Muitos se debruçaram nas análises do que explicaria esse número, mas antes talvez seja importante olharmos para o que esse número possa significar.

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A popularidade de Donald Trump provavelmente sofreu com os recentes protestos contra o assassinato de George Floyd? Possível. Também deve ter sofrido, talvez ainda mais, com as denúncias e críticas vindas de pessoas próximas de sua gestão, como o general Jim Mattis, que escreveu longa e dura carta criticando Trump. “Ameaça para a Constituição” e “alguém que não quer unir, quer dividir” foram alguns dos termos usados. A possível publicação do livro de John Bolton também promete colocar fogo nessa discussão. O falcão republicano Bolton já foi chamado de “traidor” nos últimos dias.

Outro fator é a gestão do governo federal dos EUA em relação ao novo coronavírus, muitas vezes alvo de críticas, já que estamos falando de ao menos 110 mil mortes oficiais. As atitudes de Trump em relação ao novo coronavírus são também um assunto bastante explorado por Biden. Enquanto a campanha de Trump vai adiante com comícios eleitorais, requisitando que os presentes assinem um termo de responsabilidade, Biden critica a realização dos eventos e aparece publicamente de máscara. Ambas as posturas são, no fundo, apostas políticas e eleitorais.

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Popularidade 

Em suma, é possível falar em desgaste da popularidade de Trump? Sim, é. Isso deve ter impactado as pesquisas eleitorais? Sim, deve. E o que isso significa? Hoje, nada. Por três motivos. Primeiro, Biden continua tendo todas as fraquezas de sua candidatura perante Trump. Os dois candidatos representam a exata mesma demografia. Biden também possui um histórico de gafes e polêmicas. Foi vice-presidente por oito anos, transmitindo uma imagem parcialmente de “mais do mesmo”. E mesmo a derrota de Bernie Sanders nas primárias é usada na campanha de Trump.

Hoje é público e notório que o partido Democrata boicotou a candidatura de Sanders em 2016, favorecendo Hillary Clinton. Trump faz a associação com a mais recente campanha. E, para piorar sua situação, Biden opta pela inação. Aqui nesse espaço, dois meses atrás, foi argumentado que a provável melhor escolha para vice na chapa de Biden seria Kamala Harris. Até agora Biden não anunciou quem será sua companheira de chapa, apenas que será uma mulher. Dois meses é uma eternidade em um ano em que a condução de uma campanha eleitoral não será como a habitual.

O segundo motivo é que o sistema eleitoral dos EUA não contempla a preferência da maioria numérica dos eleitores. Parece que isso é algo que, de quatro em quatro anos, surpreende os brasileiros, que se esqueceram da eleição anterior. Em 2016, Clinton teve cerca de três milhões de votos à mais que Trump, 48,2% contra 46,1% do vencedor. No sistema indireto dos EUA é mais importante ter votos bem distribuídos geograficamente, com representatividade importando quase tanto quanto quantidade. Em cinco ocasiões o presidente eleito não teve a maioria dos votos, como o caso de Trump.

Além disso, em um sistema em que o voto é facultativo, não basta alguém “topar” votar em você. O candidato precisa motivar o eleitor para que ele saia de casa e vá até a urna. Nem Hillary e nem Biden movem montanhas nem despertam paixões no mesmo nível que Trump, independente disso ser bom ou ser ruim. O fato é que o eleitor de Trump é estatisticamente mais propenso à ser fiel e presente mesmo sob adversidades climáticas. Nos chamados swing states, onde ambos os candidatos possuem chances de vencer, isso pode ser decisivo, como já foi na Flórida em 2000.

Domicílio eleitoral de Trump

Finalmente, a Flórida é justamente o terceiro ponto para colocar em xeque o impacto da preferência eleitoral e da popularidade. O estado é um dos mais habituais swing states em eleições presidenciais. Nas últimas dez eleições, apenas uma vez o presidente foi eleito sem a Flórida; Bill Clinton, em 1992. Tanto faz se o candidato era um dos democratas, Clinton ou Obama, ou um dos republicanos, Reagan, Bush pai, Bush filho e Trump. Nenhum democrata venceu no Texas, nenhum republicano venceu em Minnesota, isso dificilmente muda. Na Flórida e na Virgínia, ninguém sabe.

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A Flórida em 2020 passará por uma situação especial em suas eleições. Em 2018, 65% dos eleitores do estado aprovaram via referendo uma alteração legislativa, que devolvia à ex-condenados na justiça o direito ao voto. Uma eleição dominada pelos republicanos, inclusive. Não é possível chegar em 65% do eleitorado sem apoio bipartidário. Ou seja, com a lei entrando em vigor, a Flórida terá uma adição de 1,4 milhão novos eleitores, 10% de todo o eleitorado estadual. Nenhum estado passará por um fenômeno similar, com tamanha quantidade de novos possíveis eleitores.

A legislatura republicana do estado, entretanto, criou obstáculos burocráticos para que a lei aprovada pela população entre em vigor e o tema foi parar na justiça. Em 24 de maio o juiz Robert Hinkle declarou que as novas regras eram inconstitucionais e que ex-presidiários que já tivessem cumprido suas sentenças tinham direito ao voto. A decisão foi apelada e, em suma, hoje existem possíveis 1,4 milhão de eleitores de Schrodinger na Flórida. Não se sabe com certeza se eles poderão votar, e como. Isso gera uma incógnita estatística e também acirra o debate político dentro do estado.

Pior, pode abrir uma brecha para uma “marmelada” da eleição na justiça, tal como a sempre lembrada recontagem da Flórida em 2000, que não teve nada de irregular, mas afetou a imagem das eleições. Não é coincidência que Donald Trump mudou seu domicílio eleitoral e não terá sua sede de campanha em Nova Iorque, sua cidade natal, como em 2016. Sua sede nacional será na Flórida. Não só por suas propriedades no local, mas por saber que ali pode ser decidido seu futuro. O fato é que, hoje, não se trata tanto da popularidade de cada candidato, mas de cada estratégia.