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Bolsonaro participa da posse do presidente do Uruguai
O presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Carolina Antunes/PR

Era uma segunda-feira, dia 9 de março de 2020. Pressionados pelas notícias de impacto econômico da epidemia do Covid-19 e pela decisão da Arábia Saudita de aumentar a produção de petróleo, derrubando o preço da commodity, os mercados mundiais abriram a semana com quedas fortíssimas, incluindo nossa bolsa de valores, que chegou a suspender a sessão devido ao rompimento da barreira de 10% de queda no índice Ibovespa. A cotação do dólar americano disparou, chegando muito perto de R$ 5, marca jamais alcançada desde que o Brasil adotou o real como moeda. Na semana anterior, a divulgação de um crescimento pífio no PIB brasileiro já tinha mostrado que a economia do país estava mais para doente que para saudável.

Pois bem, em meio a essa tempestade de notícias ruins, o que o presidente Jair Bolsonaro resolveu dizer? Pode parecer inacreditável a quem tem noção de absurdo e inadequação, mas ele escolheu esse dia para dizer que tinha certeza de que as eleições de 2018 haviam sido fraudadas e que ele as teria vencido em primeiro turno não fosse a fraude. Disse ainda que teria provas em breve e que as mostraria.

Eu sei que serei mal interpretado e que minhas palavras serão usadas fora de contexto pela turma raivosa do bolsonarismo, mas direi mesmo assim: no tocante à persona presidencial, Jair Bolsonaro conseguiu superar Dilma Rousseff na incompetência e inabilidade de conduzir o cargo. Não estou equiparando governos, que fique claro (e não ficará para os que mencionei anteriormente, pois a clareza não é uma qualidade que existe entre eles). Tenho plena consciência da extensão e intensidade do poder corruptor do Partido dos Trabalhadores quando no poder, e de todo o mal que causou ao país durante seus muitos anos na Presidência. Será quase impossível que um governo minimamente ético supere Lula e Dilma na criação de falcatruas e esquemas de perpetuação de poder, mas é sim possível superá-los no modo pessoal de condução da Presidência. Bolsonaro o fez nessa fatídica segunda-feira.

Não existe nenhum cenário em que a fala de Bolsonaro seja justificada se ele ainda não tem as provas em mãos

À parte de ter sido extremamente inoportuno, o presidente também foi irresponsável e inconsequente. Sua acusação é gravíssima e as possíveis motivações para que tenha dito algo assim, da maneira como disse, não incluem nenhuma opção ética, honesta ou inteligente. Em primeiro lugar, como Bolsonaro pode ter certeza de fraude se ainda não tem as provas em mãos? Sua fala deixa entender que conseguirá as provas em breve. Ora, se ainda não as tem, então tudo o que tem é uma teoria de fraude, e teorias dessa natureza não devem sair da cabeça de quem as formulou até que se provem verdadeiras. Então, se realmente não tem as provas nas mãos, o presidente da República falou o que falou para causar uma ruptura democrática, ou para criar uma cortina de fumaça e evitar o espinhoso tema do dia, ou porque tem problemas mentais e não consegue filtrar o que deve manter consigo e o que deve falar em público, ou ainda uma combinação dessas opções. Não existe nenhum cenário em que a fala de Bolsonaro seja justificada se ele ainda não tem as provas em mãos.

Mas e se ele já tiver as provas de que a eleição foi fraudada? Nesse caso, sua fala continua sendo de uma irresponsabilidade ímpar. O processo eleitoral justo é um dos pilares da democracia representativa. Se há provas reais de fraude, a situação é gravíssima e deve ser tratada como tal. Isso significa envolver os três poderes, o Ministério Público, a Polícia Federal e quem mais seja preciso para tratar uma rachadura que pode ser fatal ao país. A última coisa que o presidente da República deve fazer é jogar o troço no ventilador e torcer para respingar em seus inimigos políticos. Novamente, não existe justificativa ética, honesta ou inteligente para a descabida declaração de segunda-feira.

Some-se a essa absurdo toda a longa ficha corrida de declarações ofensivas, impróprias, inadequadas e inoportunas de Jair Bolsonaro, e o resultado é exatamente o que disse ali no segundo parágrafo: superação da até então imbatível Dilma. A ex-presidente falava muita besteira, muita mesmo, mas sempre foi mais ridícula que ofensiva, mais patética que raivosa. Passou para a história como alguém que falava nada com nada, a presidente do cachorro oculto, do estoque de vento, da pasta de dente que volta para a embalagem. Uma pessoa completamente inapta para o cargo que ocupou.

Bolsonaro constrói, dia após dia, uma imagem diferente em natureza, porém igual em intensidade. A continuar assim, passará para a história como alguém sem limites para a ofensa e constrangimento, uma voz raivosa e ao mesmo tempo inflada com autopiedade. E, caso não tenha as provas do que falou, poderá também se equiparar a Dilma no quesito de impedimento. Em resumo, uma pessoa completamente inapta para o cargo que ocupa.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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