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O primeiro telefone celular do Brasil foi ativado no início do ano de 1990, mais de 27 anos atrás. Na época, conseguir uma linha móvel das estatais Telesp e Telerj exigia tanto sorte como dinheiro. Quando entrei para a faculdade de Engenharia, em 1993, as ligações que fazia para meus pais partiam de um orelhão mesmo. Nenhum de nós, futuros engenheiros eletricistas que estudaríamos justamente a tecnologia por trás do sistema móvel celular, tinha um aparelho à disposição.

No primeiro ano de faculdade, descobrimos que um dos laboratórios possuía computadores ligados à internet, ilustre desconhecida na época. Até então, o máximo que eu havia experimentado de conectividade resumia-se a umas poucas horas passadas em frente ao terminal do Videotexto, algo que somente alguns de minha geração saberão o que significa. Lembro-me de acessar a rede mundial pela primeira vez em uma estação de trabalho da Sun, usando o navegador Mosaic. A velocidade de conexão era tão ruim que acabei desistindo antes de conseguir carregar a terceira página.

Depois que me formei, já perto do fim do milênio, os celulares eram mais comuns de se ver. Algumas pessoas já carregavam aqueles tijolos pesados para lá e para cá, sempre com o único intuito de ligar para outras pessoas. Quando comecei a trabalhar como engenheiro de sistemas em uma empresa da área de telecomunicações, fui justamente me envolver com alguns sistemas de telefonia celular do Brasil. Na época, tivemos de fazer várias atualizações de sistema para que a funcionalidade do WAP pudesse ser lançada. Até então, usar o celular para obter alguma notícia ou informação não passava de conversa de nerds. E foi pelo WAP que fiquei sabendo, no dia 11 de setembro de 2001, que as torres gêmeas do World Trade Center tinham sido destruídas. Estava fazendo um curso na própria empresa onde eu trabalhava, e no intervalo resolvi acessar o portal WAP em meu celular – eu tinha feito uma atualização de software na noite anterior e era costume nosso ficar de olho no negócio no dia seguinte. Foi quando li que um ataque havia acontecido.

Caminhamos mais 15 anos no tempo e chegamos aos dias de hoje, em que sair de casa sem o celular parece mais incômodo do que sair pelado no meio da rua. O Google substituiu, de uma vez só, a lista telefônica, as páginas amarelas, o auxílio à lista, o guia de ruas, os guias de turismo, os mapas de papel e as idas à biblioteca. A geração que entrará na faculdade na próxima década não faz a menor ideia do que é ter de fazer uma pesquisa em uma biblioteca, sem poder copiar/colar e nem fotografar nada. E, mesmo tendo o poder da informação literalmente em suas mãos, não parece inclinada a fazer grandes coisas com ele. Esse, aliás, é um resultado enigmático que parece acompanhar a evolução da conectividade e do acesso a informações que outrora estiveram escondidas em salões abarrotados de livros, em cadernos de anotações, em fitas VHS e em mídias pessoais cujo compartilhamento se resumia, quando muito, a um empréstimo temporário. A conectividade pode ter trazido comodidade, mas não teve o impacto que se esperaria de algo tão revolucionário nas áreas em que o acesso livre e imediato à informação parecia ser a última barreira a ser superada; como a educação, por exemplo.

O Brasil passa por uma crise de inteligência e moral que é fruto direto de algumas décadas de educação de péssima qualidade. Se almejamos um dia sair desse lamaçal, teremos de chegar obrigatoriamente a uma solução de melhor educação para nossas crianças e adolescentes. Os Tigres Asiáticos fizeram isso nas décadas de 1970 e 1980, investindo pesado na educação de uma geração que transformaria sua história; e fizeram tudo sem um único tablet em sala de aula. Hoje, enquanto os meninos e meninas chineses estudam Matemática e Ciências como se suas vidas dependessem disso – e, de certa forma, dependem –, estudantes americanos, europeus e brasileiros passam o dia aprendendo que ter pipi ou periquita não tem nada a ver com ser homem ou mulher; que o importante é competir, e não vencer; que a melhor solução para os problemas da vida é chorar e pedir ajuda ao governo; que falar e escrever errado é apenas mais um jeito certo de se comunicar; que tolerância é algo que só funciona com alguns tipos de pessoas; e muitas outras bobagens.

Mesmo tendo em mãos a maior e mais poderosa ferramenta da história humana, o livre acesso a uma miríade de informações sobre tudo o que se pode imaginar, nossas crianças e adolescentes têm desempenho cada vez pior nos testes e comparativos mundiais. Para alguém que não sabe com o quê se deve conectar e nem o que fazer com o resultado dessa conexão, a internet toda é menos útil do que uma única página de Machado de Assis.

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