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Abaixo, trechos encontrados de uma minuta de peça teatral, de autoria desconhecida.
Ato I – O Supremo Tribunal Supremo
O cenário se abre em um tribunal majestoso. Entra o bonde da Justiça ao som de Odara, de Caetano Veloso. No centro, há uma mesa circular com 11 cadeiras idênticas. Os ministros também são idênticos e se sentam. No banco dos réus, cantarolando Proibido Terminar, de Gusttavo Lima, está o Ex-Presidente Golpista.
Ministro #1 (batendo o martelo): Ordem no tribunal! Está aberta a sessão. Ex-Presidente Golpista, vossa senhoria é acusado dos crimes de tentativa de golpe de Estado, também o de realizar o golpe de Estado, por três vezes; e mais todos os crimes do Código Penal. Como se declara?
Ex-Presidente Golpista: Inocente, Excelências! É tudo uma conspiração!
Ministro #2 (levantando-se furioso): Absurdo! Acaba de cometer mais um crime! Como vítima deste atentado à democracia, exijo sua condenação imediata!
Ministro #3: Concordo comigo mesmo! Determino que a pena seja aumentada em mais 33 anos de prisão em regime fechado, sem possibilidade de progressão, conforme já decidimos naqueles autos lá... Depois pega o número, Daniela.
(A assessora Daniela imediatamente liga o celular e começa a falar para a câmera, mas o ministro a interrompe, sussurrando: “não vaza agora, não”)
Ex-Presidente Golpista: Mas eu nem fui condenado ainda!
Ministro #1 (batendo o martelo): Cale-se! LIBERDADE DE EXPRESSÃO NÃO É LIBERDADE DE AGRESSÃO!
Na plateia, um princípio de liberdade de expressão se inicia, mas é rapidamente censurado pelo Ministro #1.
(...)
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Ato II – A Acusação
(...)
Ministro #4 (ajeitando a gravata): Como promotor deste caso, apresento as provas irrefutáveis que eu mesmo coletei como delegado do inquérito.
Ele desenrola um pergaminho gigante.
Ministro #4: Item 1: O réu foi flagrado tentando subornar um bando de emas para bombardear o STS com munição biológica!
Ex-Presidente Golpista (indignado): Isso é um absurdo, tá ok?! Eu estava apenas alimentando as emas com leite condensado.
Ministro #5: Silêncio! Não interrompa a mim mesmo!
(...)
Ato III – A Defesa Improvável
(...)
Ministro #6 (pigarreando): Como advogado de defesa devo argumentar que meu cliente...
Ministro #7 (interrompendo): Data vênia, ministro, mas Vossa Excelência não pode ser o advogado de defesa!
Ministro #6: E por que não?
Ministro #7: Porque EU sou o advogado de defesa!
Ex-Presidente Golpista (confuso): Mas quem está me defendendo afinal?
Todos os Ministros em uníssono: NÓS!
(...)
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Ato IV – O Veredito Caótico
(...)
Ministro #8: Senhor Presidente, senhores ministros, demais participantes deste julgamento, pelo adiantado da hora, disponibilizarei meu voto por escrito e no momento apenas declaro a conclusão concordando integralmente com o relator.
Ministro #9: Eu concordo com o meu próprio veredito também!
Ministro #10: Não abrirei divergência de mim mesmo!
Ex-Presidente Golpista: Isso é um circo! Um golpe contra mim!
Ministro #11: Mais um crime! Cortem-lhe a cabeça!
Confusão generalizada no tribunal. Aparece Ronaldinho Gaúcho e os ânimos se acalmam.
Ministro #1 (batendo o martelo): Diante de todo o exposto, eu me declaro culpado! Quer dizer, pera! Calma! Declaro o réu culpado dos crimes de tentativa de golpe de Estado, também o de dar o golpe de Estado, por três vezes, mais os crimes todos do Código Penal.
Todos os Ministros (em coro): Sentenciamos o réu a passar a eternidade em uma sala espelhada, onde cada reflexo terá o rosto de um de nós declamando, com a voz da Maria Bethânia: “Brasil acima de tudo, nós acima de todos”! O réu só poderá se alimentar de pipoca estourada com o calor de nossas vozes.
Ex-Presidente Golpista (desesperado): Não! Tudo menos isso! Prefiro enfrentar um congresso da UNE!
Ministro #1: Que isso sirva de lição: na democracia, a democracia somos nós! É bom já ir se acostumando. Declaro encerrada a presente sessão!
Epílogo
O Ex-Presidente Golpista é arrastado para a Sala dos Espelhos Ministeriais enquanto os Ministros Onipresentes começam uma coreografia elaborada ao som de I Am The Walrus dos Beatles, cada um vestindo uma toga com o rosto do outro estampado.
FIM
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos