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O escritor argentino Jorge Luis Borges.
O escritor argentino Jorge Luis Borges.| Foto: Grete Stern/Wikimedia Commons/Domínio público

Uno no es lo que es por lo que escribe, sino por lo que ha leído.” Ando a reler Jorge Luis Borges, autor desta frase que fica mais bela no original cuja compreensão não exige tradução. E é uma grande verdade. Creio que todo leitor poderia dizer mais de si citando trechos de seus amores literários do que com suas próprias palavras.

Decidi fazer um teste comigo mesmo e revisitei vários cadernos e documentos virtuais onde arquivo trechos de leituras que me chamaram a atenção por alguma razão. Peço sua licença, mas não tenho como escrever nada mais, prefiro ser o que li:

“‘Professor, como posso saber que existo?’ O velho e esperto professor retrucou: ‘E quem está perguntando?’” (trecho de O Legado de Humboldt, Saul Bellow)

“Não há jogo nenhum – disse ele. Nasci assim, aos pedacinhos, do pó. Para me ver seria preciso um olho facetado, como o das moscas. E toda minha geração se parece comigo.” (trecho de Um Sonho Ruim, de George Bernanos)

Creio que todo leitor poderia dizer mais de si citando trechos de seus amores literários do que com suas próprias palavras

“Portanto, os tempos mudaram como um dia que começa azul e radiante e se cobre suavemente de nuvens, e nem tiveram a gentileza de esperar por Ulrich. Este pagava na mesma moeda e considerava simples burrice a causa daquela mudança misteriosa que deixava doente sua época, devorando a genialidade. E isto não no sentido pejorativo. Pois se, vista de dentro, a burrice não se parecesse com talento, a ponto de se confundir com ele, e se, vista de fora, não pudesse parecer progresso, genialidade, esperança, melhoria, ninguém quereria ser burro, e a burrice não existiria. Ou, ao menos, seria fácil de combater. Mas infelizmente há nela algo incrivelmente natural e sedutor. (...) Não há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar, ela é móvel para todos os lados e pode vestir todos os trajes da verdade. A verdade, porém, tem apenas um vestido de cada vez, e um só caminho, e está sempre em desvantagem.” (trecho de O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil)

“É a derradeira enfermidade a que o homem pode chegar: quando sua sujeira o deslumbra como um diamante.” (frase de Mauriac)

“Uma pergunta, rapaz: quando vai comprar pão, você cita Shakespeare na padaria? ‘Comprar croissants com manteiga ou pães com chocolate, eis a questão’. Eu preferiria que falasse com suas palavras a que convocasse um detestável escritor. Se quer o meu parecer, as citações são algo demasiado fácil, porque há tanto grandes escritores que dizem tantas coisas, que a gente nem sequer precisaria exprimir uma opinião pessoal.” (trecho de Como me tornei estúpido, de Martin Page)

“Isto é o homem: um escritor de livros, um anotador de palavras, um pintor de quadros, um inventor de mil e uma filosofias. Apaixona-se por ideias, ataca com desprezo e desdém o trabalho de outros; acha o caminho, o verdadeiro caminho para si próprio e considera todos os outros falsos – embora entre os bilhões de livros sobre as prateleiras não haja um que possa dizer-lhe como dar um único e efêmero suspiro. Ele faz histórias das coisas do mundo, conduz o destino de nações, mas não conhece sua própria história, e é incapaz de conduzir seu próprio destino com dignidade e sabedoria por dez minutos consecutivos.” (trecho de Então isto é o homem, de Thomas Wolfe)

“Para que pedir ajuda aos fantasmas familiares, que estariam à sua volta como santos de quem se duvida, em quem se deixou de acreditar, mas a quem se pede perdão furtivamente?” (trecho de A janela dos Rouet, de Simenon)

“A escrita metódica distrai da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou faz de nós fantasmas. Conheço distritos em que os jovens se prosternam diante dos livros e beijam com barbárie as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra. As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que inevitavelmente degeneram em banditismo, dizimaram a população. Creio ter mencionado os suicídios, cada ano mais frequentes. Talvez a velhice e o medo me enganem, mas suspeito que a espécie humana – a única – está em vias de extinção e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.” (trecho de A biblioteca de Babel, de Jorge Luis Borges)

“A rosa é isolada, é cultivada, é favorecida. Mas não há jardineiros para os homens. (...) Voltei para o meu carro. E pensava: essa gente quase não sofre o seu destino. E o que me atormenta aqui não é a caridade. Não se trata da gente se comover sobre uma ferida eternamente aberta. Os que a levam não a sentem. É alguma coisa como a espécie humana, e não o indivíduo, que está ferida, que está lesada. Não creio na piedade. O que me atormenta é o ponto de vista do jardineiro. O que me atormenta não é essa miséria na qual, afinal de contas, a gente se acomoda, como no ócio. (...) O que me atormenta, as sopas populares não remedeiam. O que me atormenta não são essas faces encavadas nem essas feiuras. É Mozart assassinado, um pouco, em cada um desses homens.” (trecho de Terra dos Homens, de Exupery)

“Isto é o homem: um escritor de livros, um anotador de palavras, um pintor de quadros, um inventor de mil e uma filosofias.”

Thomas Wolfe

“No entanto, ele tinha me perguntado como eu imaginava que a morte seria, e quando eu disse que as imagens iriam cessar, ele refletiu seriamente sobre a minha resposta, deu uma parada, e considerou o que eu estava querendo dizer com isso. Ninguém pode desistir das imagens. As imagens devem e vão continuar. Se Ravelstein, o ateu-materialista, tinha me dito implicitamente que mais cedo ou mais tarde me tornaria a ver, ele estava querendo dizer que não aceitava que o túmulo fosse o fim. Ninguém pode aceitar e ninguém aceita isso. Nós só bancamos os durões.” (trecho de Ravelstein, de Saul Bellow)

“Mas, a quem conto eu estes fatos? Certamente, não a ti, meu Deus, mas em tua presença conto estas coisas aos da minha estirpe, ao gênero humano, ainda que estas páginas chegassem às mãos de poucos. E para que então? Para que eu, e quem me ler, pensemos na profundeza do abismo de onde temos de clamar por ti? E que há de mais próximo a teus ouvidos que o coração contrito e a vida que procede da fé?” (trecho de Confissões, de Santo Agostinho)

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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