Polícia Militar do Rio de Janeiro reforça segurança para o show da Taylor Swift, após assassinato de fã da cantora.| Foto: Reprodução/PMERJ
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O título foi emprestado de uma estampa no verso de uma camiseta verde-amarela, com um Mickey desenhado de chinelo de dedo, fuzil nas costas, envolto nessa frase, nesse emblema. A fotografia de um sujeito usando esta camiseta no jogo Brasil x Argentina ocorrido nesta semana no Maracanã viralizou rapidamente, assim como as cenas lamentáveis da briga generalizada nas arquibancadas minutos antes de a partida começar.

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A estupidez de permitirem torcidas misturadas no estádio transcende minha capacidade de imaginar o limite – se há – da inépcia dos responsáveis, sejam quem forem. Provavelmente os mesmos que, dias atrás, nada fizeram para evitar o confronto de torcidas organizadas antes da final da Copa Libertadores entre Fluminense e Boca Juniors. Mesmo com o mundo sabendo que aconteceria, pois os “torcedores” se ameaçaram e até marcaram hora e lugar para o conflito de forma pública, pelas redes sociais; mesmo com a torcida tricolor marchando pela cidade em direção a Copacabana, foi só depois de a briga campal nas areias da praia acontecer que o policiamento atuou.

Aqui caberia uma longa e chatíssima análise sociológica, antropológica, talvez metafísica, a partir dessa camiseta. Mas, sinceramente, para quê?

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Seja a camiseta a ostentação orgulhosa de uma variante do “perdeu, mané”, que tão bem representa a tal “inversão de valores” que faz da inocência um pecado sem perdão; seja uma zoeira típica do “jeitinho” carioca de ser resiliente, levando uma vida dura demais com um mínimo de bom humor, fato é que a soma dos produtos dará no mesmo resultado: mais um símbolo da falência estatal, demolição educacional e degradação civilizacional consolidada em uma insensibilidade moral embalada esteticamente na forma da malandragem como sinônimo de virtude.

Tragédias acontecem, mas quando não sabemos mais como padecê-las é porque nos tornamos imunes à compaixão, vendo cinismo onde talvez exista sofrimento real

Quando vi a foto dessa camiseta, pensei em Taylor Swift. Espero que ela não esteja acompanhando o que andam dizendo a respeito das tragédias envolvendo direta ou indiretamente seus shows. Foram duas mortes por suposto mal súbito, uma delas dentro do estádio onde se deu o show, provavelmente causada pelo calor insuportável do fim de semana passado.

Houve mais uma terceira, desta vez um assassinato de um rapaz na Praia de Copacabana, aquela que um dia foi Princesinha do Mar e hoje está mais para Cafetina de Poseidon. Um dos acusados, que teria confessado o crime, tendo dado 23 facadas na vítima, havia sido solto dias antes, acusado de outros crimes, por uma decisão judicial que bem simboliza também… não, melhor não dizer nada sobre nosso Poder Judiciário. Não há estampas suficientes de camiseta para tanto.

Espero que Taylor não esteja a par porque certamente não teria anticorpos para lidar com nossa indiferença às tragédias, raramente tratadas como tais, mas quase sempre transformadas em ocasiões rituais para nos vingarmos de nós mesmos escolhendo bodes expiatórios rapidamente substituídos em questão de dias. Houve quem a culpasse, claro: “deveria ter dado água”, “deveria ter cancelado”, “deveria ter cancelado mais cedo”, “deveria fazer mais do que uma cartinha de rede social dizendo que sente muito” e assim foi, assim vai. Mas também houve quem tentasse culpar a menina morta: “Foi porque quis” e coisas assim.

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Não estou a dizer que a morte da menina dentro do estádio não pudesse ter sido evitada, talvez sim. Mas é inegável que sem aquele calorão todo ela não teria acontecido. Assim como não teria sido preciso atender mais de 60 pessoas, segundo se noticiou, passando mal por causa do calor. A própria Taylor e integrantes de sua trupe sofreram demais no palco com isso. Sei que também adoramos encontrar culpados pelo “aquecimento global” ou, como agora mudaram a forma de falar, “mudanças climáticas”, mas é só outra forma de ritualizar nossa sede de vingança.

Tragédias acontecem, mas quando não sabemos mais como padecê-las é porque nos tornamos imunes à compaixão, vendo cinismo onde talvez exista sofrimento real. Como o da própria Taylor, que, ao lamentar o ocorrido, avisou que não conseguiria falar no palco sobre isso. No show seguinte, emocionou-se muito ao homenagear a menina morta cantando Bigger than the whole sky, música de seu último disco que fala sobre a morte, em que canta versos como “Alguma força te levou porque eu não rezei?”

Não é difícil escutarmos em resposta: “Que mané rezar o que, mulher? Tu tá no RJ, não é Disney”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]