• Carregando...
bolsonaro - lula - palanques - duplos
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula.| Foto: Alan Santos/PR e Ricardo Stuckert/PT

Não gostava de Tiago Leifert. Como fui “formado” na escola de jornalismo esportivo de mau humor, hoje mais representado por figuras como Mauro Cezar Pereira (de quem não gosto e que nem acompanho), por exemplo, não tinha como simpatizar quando ele se tornou apresentador do Globo Esporte com aquele estilo engraçadão. Era irritante, aos poucos me fazendo desistir de assistir ao programa que era parte da minha rotina desde a infância.

Sou do tempo em que Carneiro Neto e Augusto Mafuz faziam a dobradinha no rádio, como locutor e comentarista dos jogos do Athletico. Como esquecer dos intervalos entre os tempos da partida, quando Mafuz vinha com sua análise dita como um advogado de tribunal de júri, fazendo de qualquer Athletico x Matsubara um evento tão importante quanto a morte de um Tancredo Neves? Mafuz também sempre teve bom texto, mantendo a retórica afiada. Sempre leio suas colunas aqui na Gazeta do Povo, especialmente quando a nostalgia me toma, algo recorrente.

Tiago Leifert está coberto de razão quando diz que transformamos o voto num teste de personalidade, como se a escolha por este ou aquele candidato definisse quem somos. Mas só define quem faz da política o todo da vida

Mas o mau humor de Carneiro Neto quando o Athletico jogava mal era o que mais me encantava. Sempre lembro de uma narração sua, que cito de memória, sendo fiel apenas ao mau humor. Não procurarei se existe a gravação pela internet, prefiro ficar com minha lembrança. Tínhamos um lateral direito chamado Odemilson, que fazia jornada sofrível. A certa altura do jogo, Odemilson recebeu a bola no campo de defesa e decidiu avançar com a pelota até onde desse. Eu não estava no estádio, acompanhava pela narração de Carneiro: “Ó lá... Lá vai o Odemilson... Segue o Odemilson... Só me falta fazer o gol... Ó lá, gol do Odemilson...”, dito com desânimo, sem o grito consequente de gol que resolvia todos os problemas do mundo, ao menos naqueles segundos.

Lembrei disso esta semana sendo obrigado a dar atenção à “polêmica” esquecível da vez, entre Tiago Leifert e Felipe Neto. Imagino que o leitor cansado saiba do que estou falando. Caso não, resumo, com o desânimo de Carneiro Neto narrando a arrancada de Odemilson. Leifert participou do programa Cara A Tapa, do jornalista Rica Perrone, e em dois momentos falou sobre a polarização estúpida e estupidificante que nos assola, sendo que, ao ser perguntado em quem votaria entre Bolsonaro e Lula, respondeu que em nenhum, preferindo levar um tiro na cabeça.

Direito dele, claro, mas Felipe Neto não gostou, achando absurdo não votar em quem ele acha que tem de votar (no caso, Lula) e, por isso, sentiu nojo de Leifert, segundo postagem no seu Twitter, cujo link não consigo colocar aqui porque o perfil é fechado e eu não o sigo (tudo tem limite, leitor). Deduzo que Felipe Neto sinta nojo do seu eu do passado recente, já que no mesmo programa de Rica Perrone, em 2017, disse que votaria em Bolsonaro contra Lula. Direito dele de mudar de ideia, claro, como mudou, pedindo ao jornalista que retirasse sua entrevista do ar, no que foi atendido. E isso diz muito de quem é Felipe Neto.

Quando vi a “polêmica”, só pensei: “Ó lá os Odemilsons...”. Mas sem gol nenhum no fim, apenas com falta e confusão no meio de campo entre os times. Mas me enganei. Teve gol, e foi um belo gol. Assisti à entrevista de Leifert na íntegra e me surpreendi. Não é um Odemilson, muito menos um Felipe Neto. Está coberto de razão quando disse que transformamos o voto num teste de personalidade, como se a escolha por este ou aquele candidato definisse quem somos. Mas só define quem faz da política o todo da vida, como faz um torcedor integrante de torcida organizada que reduz a vida ao seu clube de estimação.

Talvez seja a hora de renovar um pouco da esperança de que é possível conseguirmos conviver politicamente como fazemos com o futebol

Como as redes sociais fazem parecer que só há torcedores organizados nas arquibancadas, a imensa maioria, que está simplesmente assistindo ao jogo e prudentemente se mantendo distante da confusão (como qualquer torcedor normal faz no estádio em relação às torcidas organizadas), parece não existir. Mas ela não só existe, como é quem de fato decidirá as eleições, como sempre decidiram. E quando alguém relevante como Leifert, que estava quieto por razões perfeitamente compreensíveis, resolve falar, dá um alento a essa maioria silenciosa, na qual me incluo.

Se você faz parte dela também, vote em quem for ou prefira tomar um tiro na cabeça, talvez seja a hora de renovar um pouco da esperança de que é possível conseguirmos conviver politicamente como fazemos com o futebol. Quando se trata do esporte bretão, repare que a maioria de nós tem maturidade suficiente para conviver com amigos que torcem para o arquirrival. Ainda que vez ou outra saia uma briga mais feia, dificilmente isso se torna motivo para rompimento de amizade. Desde crianças aprendemos a tratar as diferenças clubísticas pelo que são, não as transformando em uma guerra nem em uma questão de vida ou morte. Talvez ainda estejamos distantes disso na política, mas uma hora chegamos lá. Enquanto isso, temos de suportar a má fase dos nossos times, todos. “Ó lá, lá vai o Odemilson...”

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]