Grupo que milita contra ensinamentos da Igreja Católica não pode se autodeclarar católico, segundo decisão da Justiça paulista.| Foto: Bigstock
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No Brasil, o aborto não é legalizado. Há três casos em que o legislador entendeu que a prática do aborto não deverá ser penalizada: estupro, risco de vida da gestante e anencefalia. Trata-se de uma lei razoável. A balança da justiça é equilibrada. Nem conservadora demais, nem liberal de menos. Prudente, portanto.

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Porém, há inúmeros movimentos sociais pressionando a Justiça para puxar a balança para o lado liberal. “Liberal” aqui no sentido apenas de que a decisão do aborto, independentemente da situação, é de foro íntimo da gestante e de mais ninguém. Não importa se o embrião tem dignidade, o que vale é o princípio absoluto da autonomia do próprio corpo da mulher.

No campo das ideias, ou seja, com relação ao fato de pessoas acreditaram que aborto é uma possibilidade genuinamente justificável mediante a razão, qualquer pessoa tem o direito de defender sua posição publicamente.

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No caso das Católicas pelo Direito de Decidir, a organização não só não faz parte da Igreja Católica como a condena

No espaço da ordem democrática, o lugar de fala não tem etnia ou gênero, já que a estrutura lógica que sustenta argumentos é indiferente à representatividade identitária. Só que nem sempre de lógica vive o militante de uma causa como a do aborto. A força retórica se alimenta de paixão e reação. Verdade e mentira são valores secundários. Vale quem consegue ser persuasivo pelo lado do afeto: um problema de sensibilidade, não de lógica.

Sinceramente, não tenho problemas com quem defende o aborto. Meu problema é com os dissimulados e manipuladores inescrupulosos. E esse é o caso da organização internacional chamada “Catholics for Choice”, que atua na defesa do aborto desde 1973 e tem sede em Washington, D.C.

No Brasil, o grupo atua desde os anos 90. Aqui a entidade leva o nome de “Católicas pelo Direito de Decidir”. Ou pelo menos levava, já que a Justiça de São Paulo proibiu a entidade de usar “católicas” em seu nome.

Considero justa a decisão da Justiça brasileira. E não acho que isso ameace a liberdade de expressão de ninguém. Qualquer um pode se associar num movimento e defender suas causas. Isso não está em questão.

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No caso das Católicas pelo Direito de Decidir, a organização não só não faz parte da Igreja Católica como a condena. O uso de “católicas” no nome é para atrair os ingênuos, e foi escolhido de caso pensado. Segundo uma ex-presidente da entidade, se você vencer os católicos, você venceu a melhor posição contrária ao aborto.

Francis Kissling, que foi presidente da Catholics for Choice entre 1982 e 2007, já disse o seguinte: “A perspectiva católica é um bom lugar para começar, tanto em termos filosóficos e sociológicos como teológicos, porque a posição católica é a mais desenvolvida. Assim, se você puder refutar a posição católica, você refutou todas as demais. OK. Nenhum dos outros grupos religiosos realmente tem declarações tão bem definidas sobre a personalidade, quando começa a vida, fetos etc. Assim, se você derrubar a posição católica, você ganha”.

O uso de “católicas” no nome da ONG é para atrair os ingênuos, e foi escolhido de caso pensado

E qual seria a melhor forma de combater os católicos? Ora, se passando por católico. No entanto, há um problema. Pelo menos aqui no Brasil, vale ressaltar que em 2009 o Brasil e o Vaticano assinaram um acordo. No artigo 3.º deste acordo, assinado pelo então presidente Lula, vem o seguinte:  “A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras”. E, no parágrafo 1.º: “A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo”.

O Brasil reconhece que a Igreja Católica tem personalidade jurídica em conformidade com o direito canônico. No cânone 300 do Código de Direito Canônico, se fixa o seguinte: “Nenhuma associação adote a designação de ‘católica’, a não ser com o consentimento da autoridade eclesiástica competente, segundo as normas do cân. 312”. Já o cânone 312, que regula as Associações Públicas de Fiéis, diz que a autoridade competente para erigir associais públicas católicas é, em última instância, a Santa Sé. O cânone 316, por sua vez, traz o seguinte: “Quem publicamente tiver rejeitado a fé católica ou abandonado a comunhão eclesiástica ou incorrido em excomunhão aplicada ou declarada não pode ser recebido validamente em associações públicas” (destaques são meus).

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E, no caso de Associações Privadas de Fiéis, não é muito diferente: “Nenhuma associação privada de fiéis pode adquirir personalidade jurídica sem que os seus estatutos tenham sido aprovados pela autoridade eclesiástica referida no cân. 312”.

Resumindo: se a ONG “Católicas pelo direito de decidir” não tem autorização da Igreja Católica, logo não poderia ser chamada de “católica”, uma vez que a Igreja Católica goza de todas as proteções de personalidade jurídica, inclusive o direito ao nome. Católicas, portanto, nem com aspas.