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Dos homens ocos ao cordão sanitário
| Foto: Pixabay

Com relação à crença política, duvidar de si mesmo é o exercício mais poderoso para combater aquilo que chamei de “a imaginação totalitária” — crença de que só mediante ação política há salvação. Sempre pratico o seguinte exercício: imagino um mundo perfeito criado com meus ideais mais caros. Se nesse meu mundo perfeito, eu não conseguir incluir politicamente meus “inimigos” — inimigo aqui significa todo aquele que interfere na perfeição do meu projeto —, fui tomado pela força da imaginação totalitária.

Minha imaginação é inspirada pela minha bondade natural e eu preciso incluir o higiênico campo de extermínios — ainda que imaginário — no esboço: um verdadeiro cordão sanitário. Já que meus inimigos são aqueles que me atrapalham, que me perseguem, que impossibilitam a realização do meu mundo perfeito... Eu não gostaria de ter de chegar a esse ponto, meu sonho é ver todos os meus inimigos ou convertidos à minha causa ou enforcados — obviamente esta segunda opção é um mal necessário.

A imaginação totalitária não é genocida em si, o genocídio é acidental. Para uma mente totalitária, eliminar o outro nunca traz o peso da culpa. Não há culpa; só limpeza.

Hoje, “fascista” é o termo usado para tudo o que é de pior em política. Não tem argumentos? Xingue teu adversário de tudo aquilo que você abomina em você. Todos os que não estão comigo são fascistas. Devido ao uso excessivo, substitua “fascista” por “extrema-direita”, “evangélico” ...

Mas o que é “fascista”? Basicamente, há duas linhas teóricas sobre o fascismo. Uma restringe o fenômeno à Itália de Mussolini; a outra compreende o fenômeno de modo mais abrangente. Eu prefiro o termo “totalitário” para este fenômeno mais abrangente, que pode incluir progressistas fofos e até liberais cheio de paz no coração.

Robert O. Paxton, um dos grandes especialistas no assunto, define o fascismo — aqui compreendido como totalitário — nos seguintes termos: “uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza”.

Sendo assim, prefiro acreditar que não se trata de um comportamento exclusivo da extrema-direita ou da extrema-esquerda, do liberal ou do conservador. Trata-se, antes de tudo, de um comportamento de crente na política, suscetível a qualquer um de nós porque a política se tornou esperança salvífica.

Na modernidade, o secularismo tem raízes mais filosóficas e não se resolve apenas no âmbito político. A história do cristianismo se confunde com a própria história do Ocidente, uma história marcada pela sempre constante tensão entre Estado e Igreja.

O fato é que a separação institucional entre Estado e Igreja só foi possível com advento do cristianismo. Em resumo, o esvaziamento da experiência religiosa no âmbito político se deu em virtude dessa tensão, uma vez que essa tensão sempre esteve presente no cristianismo deste a Paixão do Cristo — que, por sinal, anula o poder soberano de César quando Cristo consagra a soberania do Reino de Deus na Cruz.

Paradoxalmente é isto: o Reino Cristão não é deste mundo. Portanto, a esperança cristã é a ressurreição, a vida eterna. O problema do secularismo tem raízes filosóficas numa mudança sobre compreensão do mundo.

Por outro lado, a descrença na religião se deu por outras vias. A mais importante mudança irrompe na modernidade com a ideia de homem como autorreferência e não mais como criatura. Ideia que culmina nos Iluministas e na profunda crença no poder do conhecimento, na perfectibilidade humana e consequentemente no progresso social. As instituições sociais e políticas seriam criadas e adaptadas às necessidades do aperfeiçoamento humano.

Entretanto, o homem deve orientar suas necessidades de verdade, beleza e eternidade para a arte e para religião. O impulso humano para eternidade é perpétuo e nenhuma instituição política será capaz de saciar isso. Nosso vazio existencial — que é resultado da nossa consciência de finitude, da nossa contingência — se resolve na experiência estética, que precisamos manter longe dos impulsos de poder.

Pois, como lembrará T.S. Eliot:

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada.

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