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Por que sou professor?
| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

Escolhi ser professor movido por um impulso simples e persistente: a essência do ensino é a liberdade. Por que me tornei professor? Porque eu queria viver, e falo isso sem idealismos, a sala de aula como espaço sagrado da liberdade, um lugar onde algumas virtudes florescem em detrimento dos vícios. Hoje, completo 25 anos em sala de aula.

Minha escolha pela docência não foi para revolucionar o mundo, mas para pensá-lo livremente e compartilhar a admiração das coisas do pensamento.

Os gregos têm uma palavra inspiradora para isso: Thaumazein. Em Platão, ela significa espanto ou maravilhar-se. Para a filosofia, o ato de maravilhar-se é o primeiro passo no caminho do questionamento filosófico e da busca por conhecimento. O thaumazein é considerado o impulso inicial que leva os indivíduos a questionar as aparências das coisas, as verdades assumidas e a explorar o que de fato é a realidade. Nada mata mais a educação do que a apática indiferença pela descoberta e o excesso de confiança e engajamento ideológico.

Durante 25 anos eu me esforcei para não fazer do mundo um lugar melhor e da sala de aula um palco dessa minha concepção muito particular de mundo. A vocação do ensino sempre foi para mim motivada para inspirar no estudante um pouco desse maravilhamento. O individualismo egoísta produziu uma geração de gente indiferente. E, por favor, caro leitor, não falo da indiferença política. Maravilhar-se é diferente do indignar-se do professor de Filosofia revolucionário que acredita na militância política como único parâmetro para mudar o mundo – sempre, claro, segundo a imagem do próprio militante. O problema do professor militante é que sua indignação implica em proclamar um mundo como ideia. Ele, portanto, fala sozinho. Educar, nesse sentido, é um gesto de autobajulação.

Nada mata mais a educação do que a apática indiferença pela descoberta e o excesso de confiança e engajamento ideológico

Para mim, o professor jamais fala sozinho. A solidão pedagógica é fruto da soberba. Por isso, educar é interação viva com pessoas reais. Não seria esse o sentido de felicidade: pensar livremente o mundo, buscar conhecê-lo e compartilhar a alegria dessas descobertas?

Estou muito com Aristóteles nesse tópico. Estar maravilhado pela reflexão é se libertar de ideias pré-concebidas e ver o mundo como a um espetáculo.

Não à toa o temo “teoria” tem origem na palavra grega theōría, que significa contemplação, especulação e olhar. Esta palavra, por sua vez, deriva de theōrós, que se refere a um espectador enviado para consultar oráculos, assistir a jogos ou participar de rituais religiosos. O que indicava alguém que observa ou que busca visão geral das coisas. Que interpreta o que vê. Olhar e escuta são os dois sentidos mais diretamente ligados à educação. Não há aprendizado pelo tato, pelo paladar e pelo olfato, exceto o aprendizado da experiência individualista. O conhecimento se dá pela visão e pela audição. Por isso, em minhas aulas dou tanta oportunidade para o “ouvir” e “falar”, para o “ver” e compartilhar.

Em geral, o conhecimento filosófico sempre teve uma dimensão contemplativa muito forte. Para Aristóteles, o teórico conhecia o mundo em um gesto de imitação do divino. Noutras palavras, ele considerava a contemplação como a mais alta forma de atividade humana, uma vez que ela realiza em plenitude a natureza da razão.

Para Aristóteles, Deus é concebido como o Ser Supremo, cuja atividade é puramente contemplativa. De fato, diferente do Deus Amor do cristianismo. Aliás, o Deus de Aristóteles é entendido como o motor imóvel que move tudo através de sua vida autocontemplativa. Como cristão, recuso essa ideia limitada de Deus. Mas não posso negar como ela é inspiradora para pensarmos a finalidade da própria racionalidade humana.

A atividade divina é, portanto, uma atividade de puro pensamento ou intelecto. Literalmente, Aristóteles escreve que Deus é o “pensamento do pensamento” (nous noeseos). Para ele, portanto, a forma mais elevada de existência e conhecimento é aquela que é completamente autossuficiente e imutável, os atributos de Deus, para ele. Ao mesmo tempo, Aristóteles afirma que a atividade mais nobre para os seres humanos é a contemplação ou o exercício do “nous”, que nos aproxima da natureza de Deus. É nesse sentido que faço das minhas aulas um templo do diálogo afetuoso, um templo de liberdade e amizade.

Bom, claro, há toda parte técnica da minha disciplina envolvida, mas, em termos de “ideal de educador”, tudo isso é o que me motiva e inspira. Sem esse ideal, a tecnicidade da disciplina seria um mero veículo vagando sem propósito. O problema do militante é estar cego pelo excesso de propósito.

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