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Detalhe de “Os quatro evangelistas”, de Mattia Preti.
Detalhe de “Os quatro evangelistas”, de Mattia Preti.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

A Escritura Sagrada é isenta de erros, mas os que a criticam não são isentos de erros. Todos os alegados erros presentes na Escritura são, na verdade, erros cometidos pelos próprios críticos. Norman Geisler e Thomas Howe, em sua obra Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia, afirmam que tais erros, que resumo abaixo, enquadram-se em uma das seguintes categorias:

Assumir que o que não foi explicado seja inexplicável

Nenhuma pessoa instruída alegaria ser capaz de explicar completamente todas as dificuldades bíblicas. Contudo, é um erro o crítico pressupor que o que não foi ainda explicado nunca o será. Os eruditos cristãos pressupõem que o que até hoje não foi explicado na Escritura não é, por isso, inexplicável. Não consideram que as aparentes discrepâncias sejam contradições. E, quando encontram algo que não podem explicar, continuam pesquisando na certeza de que algum dia encontrarão a resposta. Aquele que estuda a Escritura tem sido recompensado em sua fé e pesquisa, pois muitas dificuldades já foram superadas por meio da história, da arqueologia, da linguística e de outras disciplinas.

Presumir que a Escritura é culpada até prova em contrário

Muitos críticos presumem que a Escritura está errada, até que algo venha provar que está certa. Contudo, como acontece com qualquer cidadão acusado de um crime, a Escritura deve ser tida como “inocente” até que haja prova da culpa. Isso não é querer dar-lhe nenhum tratamento especial; essa é a forma pela qual todos os relacionamentos humanos são feitos. Se assim não fosse, a vida não seria possível. Devemos presumir que a Escritura, como qualquer outro livro, está nos dizendo o que os autores disseram e ouviram. As críticas negativas à Escritura partem de um pressuposto contrário a esse. Não é de se admirar, então, que concluam que a Escritura está cheia de erros.

Aquele que estuda a Escritura tem sido recompensado em sua fé e pesquisa, pois muitas dificuldades já foram superadas por meio da história, da arqueologia, da linguística e de outras disciplinas

Confundir as nossas falíveis interpretações com a infalível revelação de Deus

Jesus afirmou que “a Escritura não pode falhar” (Jo 10,35). Sendo um livro infalível, a Escritura é também irrevogável. Jesus declarou: “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra” (Mt 5,18; Lc 16,17). As Escrituras têm ainda a autoridade final, sendo a última palavra acerca de tudo o que aborda. Jesus valeu-se da Escritura para resistir ao tentador, para resolver discussões doutrinárias e para sustentar sua autoridade. Mas, conquanto a Escritura seja infalível, as interpretações humanas não o são. A Escritura não pode estar errada, mas nós podemos estar errados quanto a alguma interpretação dela. O significado da Escritura nunca muda, mas a nossa compreensão pode mudar. Muito embora a Palavra de Deus seja perfeita (Sl 19,7), enquanto existirem seres humanos imperfeitos, haverá erros de interpretação das Escrituras e falsos pontos de vista deles decorrentes.

Falhar na compreensão do contexto da passagem

Talvez o erro mais comum dos críticos seja o de tirar um texto bíblico de seu contexto mais amplo. Como diz o ditado, “o texto [bíblico] usado fora de contexto é pretexto”. Tudo se pode provar, a partir da Escritura, por esse procedimento errôneo.

Deixar de interpretar passagens difíceis à luz das que são claras

Algumas passagens das Escrituras são de difícil interpretação. Outras vezes a dificuldade está em que uma passagem parece estar ensinando algo contrário ao que uma parte da Escritura ensina com clareza. Então, textos bíblicos de difícil compreensão devem ser entendidos à luz de textos mais claros.

Basear um ensino numa passagem bíblica obscura

Algumas passagens da Escritura são difíceis porque o seu significado é obscuro. Isso ocorre geralmente porque uma palavra-chave do texto é empregada uma só vez (ou raramente) em toda a Bíblia, e então fica difícil saber o que o autor está dizendo, a menos que seja possível deduzir o sentido pelo contexto. Quando não temos certeza, então temos de ter em mente algumas coisas: Primeiro, não devemos construir uma doutrina com base numa passagem obscura. A regra prática na interpretação bíblica é: o que é essencial é claro, e o que é claro é o essencial. Chamamos a isso de “perspicuidade” ou “clareza” das Escrituras. Se algo for importante, isso será ensinado nas Escrituras de forma bem clara, e provavelmente em mais de um lugar. Segundo, quando uma dada passagem não está clara, não devemos nunca supor que ela esteja ensinando o contrário do que uma outra parte nos ensina com muita clareza. Deus não comete erros na sua Palavra – mas nós podemos cometer erros ao tentarmos interpretá-la.

Esquecer-se de que a Bíblia é um livro humano, com características humanas

Exceto por pequenas seções, tais como os Dez Mandamentos, que foram escritos “pelo dedo de Deus” (Êx 31,18), a Bíblia não foi verbalmente ditada. Seus escritores não foram secretários do Espírito Santo. Foram autores humanos, que empregaram estilos literários próprios, com o seu jeito de ver as coisas. Esses autores humanos às vezes tomaram informações de fontes humanas para o que escreveram. De fato, cada livro da Escritura é uma composição de um escritor humano; foram cerca de 40 autores. A Escritura evidencia também diferentes estilos literários humanos; do estilo melancólico de Lamentações até a exaltada poesia de Isaías; da gramática elementar de João ao complexo grego do livro de Hebreus. A Escritura manifesta ainda perspectivas humanas. Os livros de Reis foram escritos tendo uma abordagem pactual, e Crônicas a partir de um ponto de vista sacerdotal. Atos manifesta um enfoque histórico, e 2Timóteo, o coração de um clérigo.

Os escritores bíblicos escreveram sob a perspectiva de um observador quando se referiram ao nascer do sol ou ao pôr-do-sol. Eles também revelam padrões humanos de pensamento, inclusive lapsos de memória, bem como emoções humanas. A Escritura revela interesses humanos específicos. Por exemplo, Oséias possuía um interesse rural; Lucas, uma preocupação médica; e Tiago, um amor pela criação. Como Jesus, a Escritura é completamente humana, mesmo assim sem erros. Esquecer-se da humanidade das Escrituras pode levar-nos a impugnar falsamente sua integridade por esperarmos um nível de expressão maior do que é o usual num documento humano.

A Bíblia não foi verbalmente ditada. Seus escritores não foram secretários do Espírito Santo. Foram autores humanos, que empregaram estilos literários próprios, com o seu jeito de ver as coisas

Pressupor que um relato parcial seja um relato falso

Com frequência, os críticos tiram conclusões precipitadas com respeito a um relato parcial, tomando-o como falso. Entretanto, não é bem assim. Do contrário, quase tudo o que se tenha dito seria falso, já que poucas vezes há tempo e espaço suficientes para uma abordagem completa. Ocasionalmente, a Bíblia expressa a mesma coisa de diferentes modos, ou pelo menos de diferentes pontos de vista, em tempos distintos. Portanto, a inspiração não exclui diversidade de expressão. Cada um dos quatro autores do Evangelho relata a mesma história de uma perspectiva diferente, para um grupo diferente de pessoas, e às vezes citam o mesmo incidente com palavras diferentes. Até mesmo os Dez Mandamentos, que foram escritos “com o dedo de Deus” (Dt 9,10), quando foram entregues pela segunda vez, apresentam-se com variações (compare Êx 20,8-11 com Dt 5,12-15). Há muitas diferenças entre os livros dos Reis e de Crônicas nas descrições que fazem dos mesmos eventos; contudo, não incidem em nenhuma contradição nos acontecimentos que narram. Se expressões assim tão importantes puderem ser feitas de maneiras diferentes, então não há por que o restante das Escrituras ter de expressar a verdade apenas de uma forma literal e inflexível em sua abordagem.

Exigir que as citações do Antigo Testamento feitas no Novo Testamento sejam sempre exatas

Os críticos apontam com frequência as variações ocorridas quando o Novo Testamento cita passagens do Antigo Testamento, como provas de erro. Entretanto, se esquecem de que uma citação não precisa ser uma repetição exata do que está escrito. Era então, como é hoje, perfeitamente aceitável o estilo literário que dá a essência de uma afirmação ou pensamento, sem que se empregue precisamente as mesmas palavras. Um mesmo significado pode ser transmitido sem o uso das mesmas expressões verbais. Em caso algum, porém, o Novo Testamento interpreta de forma errada ou não aplica corretamente o Antigo Testamento, nem ainda tira qualquer conclusão do que não esteja presente naquele texto. Em resumo, o Novo Testamento não comete erros quando cita o Antigo Testamento, como acontece quando os críticos citam o Novo Testamento.

Assumir que diferentes narrações sejam falsas

Pelo simples fato de divergirem entre si duas ou mais narrações do mesmo acontecimento, isso não significa que sejam mutuamente exclusivas.

Presumir que a Escritura aprova tudo o que ela registra

É um erro admitir que tudo o que a Escritura contém seja recomendado por ela. Toda a Escritura é verdadeira, mas registra algumas mentiras, como por exemplo as de Satanás e a de Raabe (Js 2,4). Toda Escritura é inspirada de forma tão completa e abrangente que registra com exatidão e verdade até mesmo as mentiras e os erros dos seres humanos que pecaram. A verdade, em toda a Escritura, encontra-se no que ela revela, não em tudo o que registra.

Esquecer-se de que a Bíblia faz uso de uma linguagem comum, não técnica

Para que algo seja verdadeiro, não é necessário fazer uso de uma linguagem erudita, técnica ou “científica”. A Bíblia foi escrita para pessoas comuns de todas as gerações, e, portanto, emprega a linguagem comum, do dia a dia. O uso de uma linguagem não científica não vai de encontro à ciência, pois ela é anterior à ciência. As Escrituras foram escritas em tempos antigos, com padrões antigos, e seria anacrônico impor sobre elas padrões científicos modernos.

Considerar que números arredondados sejam errados

Outro engano, algumas vezes cometidos pelos críticos, é que alegam haver erro em números que foram arredondados. Não é assim. Como ocorre no linguajar comum, números arredondados são apenas isso: números arredondados.

O uso de uma linguagem não científica não vai de encontro à ciência, pois ela é anterior à ciência. As Escrituras foram escritas em tempos antigos, com padrões antigos, e seria anacrônico impor sobre elas padrões científicos modernos

Não observar que toda a Escritura faz uso de diferentes recursos literários

Um livro inspirado não precisa ser composto em um único estilo literário. Foram seres humanos que escreveram cada livro da Escritura, e a linguagem humana não se limita a uma única forma de expressão. Assim, não há por que supor que apenas uma forma de expressão ou apenas um gênero literário devesse ser empregado num livro divinamente inspirado. Não constitui erro o autor bíblico fazer uso de uma figura de linguagem, mas é errado tomar uma figura de linguagem de forma literal. Temos de ter o cuidado na leitura das figuras de linguagem nas Escrituras.

Esquecer-se de que somente o texto original é isento de erros, e não qualquer cópia das Escrituras

Quando os críticos descobrem um genuíno erro numa cópia (manuscrito), cometem um erro fatal. Assumem que o erro se encontra também no texto original das Escrituras, no texto inspirado. Esquecem-se de que Deus proferiu o texto original das Escrituras, não as cópias. Portanto, somente o texto original é isento de erros. A inspiração não garante que toda cópia das Escrituras fique sem erros. Portanto, temos de considerar que pequenos erros podem ser encontrados em alguns manuscritos, que são cópias do texto original. Quando nos deparamos com um alegado “erro” na Escritura, temos de admitir uma entre duas alternativas: o manuscrito não foi copiado corretamente, ou não entendemos as Escrituras corretamente. O que não podemos pressupor é que Deus tenha cometido um erro na inspiração do texto original.

Precisamos observar algumas coisas com respeito aos erros dos copistas. Em primeiro lugar, são erros feitos nas cópias, e não no original. Jamais alguém encontrou um original com erro. Em segundo lugar, são erros de menor importância (com frequência, em nomes e em números), que não afetam nenhuma doutrina da fé cristã. Em terceiro lugar, esses erros dos copistas são relativamente em pequeno número. Em quarto lugar, geralmente, pelo contexto ou por outro texto das Escrituras, podemos saber qual passagem incorre em erro. Finalmente, muito embora possa haver um erro de cópia, a mensagem inteira ainda é perfeitamente entendida. Nesses casos, a validade da mensagem não se altera. Atualmente, há mais de 5 mil manuscritos do Novo Testamento, com 350 códices (Sinaítico, Vaticano, Alexandrino etc.) e 2 mil lecionários com mais de 86 mil citações bíblicas. E à luz da crítica textual, podemos ter grande confiança de que a Escritura que possuímos é extraordinariamente exata. Assim, na prática, por mais imperfeições que haja nos manuscritos utilizados, a Bíblia que temos em nossas mãos transmite a verdade completa da original Palavra de Deus.

Esquecer-se de que uma revelação posterior se sobrepõe a uma anterior

Algumas vezes, os críticos das Escrituras se esquecem do princípio da revelação progressiva. Deus não revela tudo de uma só vez, nem determina sempre as mesmas condições para todos os períodos do tempo. Portanto, algumas revelações posteriores vão sobrepor-se a afirmações anteriores. Os críticos da Bíblia às vezes confundem uma progressão na revelação com um erro. O erro, entretanto, é do crítico. Deus revelou-se de maneira progressiva e não contraditória. Quando, porém, os fatos relativos à sua revelação são tirados do próprio contexto e comparados a outros anteriores, podem parecer uma contradição.

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Depois de um estudo contínuo e cuidadoso da Bíblia, a única conclusão a que se pode chegar com respeito àqueles que pensam terem descoberto um erro na Bíblia é que não sabem muita coisa a respeito dela – na verdade, sabem muito pouco sobre a Bíblia. Isso não significa, é claro, que entendemos todas as dificuldades existentes nas Escrituras. Mas certamente nos faz crer que Mark Twain tinha razão ao concluir que não era a parte da Bíblia que ele não entendia o que mais o incomodava, mas as partes que ele compreendia – estas, sim, o incomodavam.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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