Fachada do INSS no centro de Curitiba. Foto: Marcelo Elias - Gazeta do Povo| Foto:

Um dos erros estratégicos do governo Michel Temer foi ter proposto a reforma da Previdência antes do recesso parlamentar. Foram dois meses para a oposição a mudanças previdenciárias fazer uma campanha que usou uma contabilidade criativa para dizer que não existe déficit e firmar a opinião de que a reforma era antipobre. A demora do governo Jair Bolsonaro em fechar um texto para a Previdência abriu a mesma brecha.

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Nesta semana, a notícia falsa que correu a internet é a de que o governo retirou R$ 600 bilhões do INSS em um decreto do início do ano. A versão é a de que sobra dinheiro na seguridade e que ele é usado para outras coisas. O fato verdadeiro é que o decreto apenas ajustava o responsável pela execução do Orçamento – o INSS passou para a aba do novo Ministério da Economia.

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Esse tipo de argumento faz parte da narrativa antirreforma criada em torno da ideia de que sobra dinheiro na Previdência. Sua base mais conhecida são os “estudos” da Anfip, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais, que diziam não haver déficit porque o governo precisa levar em conta que há a arrecadação de contribuições que deveriam custear a seguridade. Complementa a tese o mito de que a DRU (desvinculação de receitas da União) é um instrumento que tira dinheiro da seguridade e, por consequência, da Previdência.

Se tivesse R$ 600 bilhões sobrando em caixa, o INSS não estaria muito melhor das pernas. Gastaria o dinheiro em três anos. Afinal, a diferença entre o que foi recolhido em contribuições de trabalhadores e empresas, e o que foi pago na forma de benefícios foi de R$ 195,2 bilhões no ano passado.

Infelizmente, os R$ 600 bilhões sobrando não existem e os quase R$ 200 bilhões previstos de déficit neste ano serão cobertos pelo Tesouro. Se você preferir, pode fazer a conta com a seguridade, o que inclui receitas de contribuições e gastos com saúde e assistência social. O resultado vai ser um déficit de cerca de R$ 300 bilhões (em números de 2017). É quase o valor do déficit total da Previdência, contando servidores federais e militares. A coincidência não é acaso. O governo precisa colocar dinheiro porque as contribuições cobrem gastos obrigatórios em saúde e assistência.

E a DRU não faz diferença na conta porque o saldo é negativo. O Orçamento perde dinheiro de um lado e o Tesouro cobre do outro. Só haveria diferença se houvesse superávit na seguridade. Quem quiser pode ver a conta completa feita pelo Tribunal de Contas da União.

O problema desse tipo de desinformação é que cria mitos que acabam sendo usados nos debates no Congresso. Uma CPI foi criada durante o governo Temer para avaliar a situação da Previdência e simplesmente reproduziu a contabilidade criativa. Foi ignorado o fato de que a Previdência já custa mais de 8% do PIB e vai representar 17% em 2060 se não houver reforma.

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Até mesmo o presidente Bolsonaro tem reproduzido alguns desses argumentos furados, como o da longevidade no Piauí. Usar a expectativa de vida ao nascer (no Piauí, de 69 anos segundo Bolsonaro e  71 anos segundo o IBGE) é um erro estatístico crasso. O que precisamos analisar é quanto as pessoas vivem após se aposentarem. No Piauí, quem se aposenta aos 65 anos (maioria da população) chega, em média, aos 81 anos. E esse número está crescendo.