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Desmatamento na Amazônia
Desmatamento na Amazônia, em uma área no estado do Pará.| Foto: Ronan Frias/Semas-PA/Fotos Públicas

Ontem, 27 de outubro de 2022, a revista Nature se manifestou em editorial sobre as eleições presidenciais do Brasil, de modo inequívoco: “Só pode haver uma escolha na eleição do Brasil”. Coerentemente com outro editorial de 2018, a revista se posicionou contrariamente à reeleição de Bolsonaro.

Muito embora eu considere o gesto excessivo – uma revista científica dessa importância e reputação intrometendo-se em nossas questões políticas internas –, devo admitir que há certo grau de justificação. Órgãos como a Nature não se interessam apenas por questões propriamente científicas, de puro mérito, mas também pelas diversas camadas de tecido que recobrem os órgãos internos da vida científica; questões de cultura, de educação, de política científica e de ética ambiental.

Essa realidade poderia justificar em parte a manifestação da Nature: “A ficha de Bolsonaro é de fazer os olhos saltarem. Sob sua liderança, o meio ambiente tem sido assolado, na medida em que ele fez retrocederem as proteções legais e desprezava os direitos de povos indígenas. Na Amazônia, apenas, o desmatamento quase dobrou desde 2018, com outro crescimento esperado quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais liberar seus últimos dados sobre desmatamento, nas próximas semanas”.

Se Bolsonaro não for inimigo da ciência, amigo não é, com toda a certeza

O editorial prossegue, aludindo à oposição do presidente à regulação ambiental – fato manifesto, considerando seus ataques públicos contra o Ibama e o ICMBio, bem como o plano Salles-Bolsonaro de “ir passando a boiada e mudando todo o regramento”. Lembra também a postura reativa de Bolsonaro diante da ciência na pandemia de Covid-19, minimizando sua gravidade e dificultando a aquisição de vacinas, e a diminuição do investimento em pesquisa – que, como todos sabem, desceu a abismos vergonhosos para um país importante como o nosso.

Se Bolsonaro não for inimigo da ciência, amigo não é, com toda a certeza. Posso ajudar o leitor esquecido citando aquele momento emblemático em que nosso presidente acusou um de nossos mais eminentes cientistas, o físico Ricardo Galvão, à época diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de mentir e “agir a serviço de alguma ONG”. Isso porque os dados publicados pelo Inpe em 18 de julho de 2019 revelaram um aumento catastrófico no desmatamento. Bolsonaro negou, acusou e afirmou que “a psicose ambiental deixou de existir comigo”.

Galvão finalmente aceitou se demitir, após uma conversa com o ministro Marcos Pontes. Mas, segundo ele, o ministro não subscreveu as falas do presidente; em entrevista no começo de agosto, revelou: “Frente ao ministro Pontes, eu não tive de defender nada. Ele concorda inteiramente com os dados do Inpe e sabe como são os dados do Inpe... O ministro é uma pessoa de alta capacidade técnica, um engenheiro”.

O fato é que os relatórios do Inpe nunca foram desmentidos.

O caso ilustra um dos piores problemas do estilo de governo apreciado pelo bolsonarismo. Todos sabemos que a elite cosmopolita nacional, que detém os meios de produção cultural, tem como um de seus principais suportes a comunidade universitária. No entanto, em vez de abrir linhas de comunicação com esse grupo que tanto marginaliza o conservadorismo, a presidência escolhe o caminho do confronto, da redução do financiamento em pesquisa, da desqualificação da universidade pública. A mais pura e acabada antipolítica. Fosse Bolsonaro um mineiro escolado, não teria feito uma bobagem dessas.

Mas voltemos ao editorial. Depois de apontar os erros de Bolsonaro, ele passa ao contraste com a era petista, com seus altos investimentos em ciência e inovação e sua impressionante redução do desmatamento em 80%, entre 2004 e 2012. Quem acompanha de perto e com seriedade a questão ambiental brasileira sabe que aqui não há com o que argumentar. “Em contraste com Bolsonaro, Lula não tentou lutar com os pesquisadores” – uma diferença inegável, considerando o episódio com Ricardo Galvão; e uma vergonha inegável também. Pobres dos conservadores que insistem em esmurrar a faca afiada dos dados científicos; sujam as mãos burramente, com seu próprio sangue, e em vez de convencer, afastam jovens que poderiam ser aliados da direita.

Em 2018 a Nature disse que Bolsonaro seria realmente ruim para a ciência e para o meio ambiente, e isso apenas se confirmou, goste ou não o querido leitor. O que resta agora à direita, diante desse novo editorial? Aguentar o tranco

O editorial não é de todo feliz; menciona assuntos que não dizem respeito às questões de mérito científico, como o conflito de Bolsonaro com o STF e a criação do Bolsa Família na era petista, com maior inclusão econômica dos mais pobres; alega que houve desmantelamento das instituições de combate à pobreza por Bolsonaro – uma falsidade manifesta. Admite, ao menos, que Lula foi condenado por corrupção, mas nada diz sobre o fato de que sua ressurreição política foi um ato político do STF.

Mas francamente, tanto os excessos questionáveis quanto as omissões notáveis não deveriam nos distrair sobre o ponto central: em 2018 a Nature disse que Bolsonaro seria realmente ruim para a ciência e para o meio ambiente, e isso apenas se confirmou, goste ou não o querido leitor. O que resta agora à direita, diante desse novo editorial? Aguentar o tranco.

Tendo em mente o que esse pleito significará para o mundo, tenho algo importante para dizer à direita brasileira, e especialmente aos cristãos – e quem tiver ouvidos para ouvir, ouça:

Se Bolsonaro ganhar a eleição, haverá grandes avanços para a liberdade econômica, para a causa conservadora, para a liberdade na sociedade civil, e talvez até encontremos um caminho para limitar os abusos do STF; mas permanecerá um perigo de escala planetária. Esse é o ponto do editorial da Nature e de uma reportagem muito bem construída, publicada ontem no New York Times: “A eleição presidencial do Brasil determinará o futuro do planeta”. Com um título um pouco exagerado, mas não incorreto, considerando o estado da arte da ciência climática.

Em janeiro de 2018 eu escrevi um artigo para a minha coluna advertindo que a questão ambiental poderia derrotar Bolsonaro em 2022. Se Bolsonaro perder, será por sua própria culpa, e principalmente por essa questão que ele e os bolsonaristas escolheram ignorar.

Talvez o voto em Bolsonaro seja o mais correto nesse momento, por muitas razões que tantos à direita não se cansam de repetir. Mas a bênção se tornará em maldição se os conservadores não tiverem peito para confrontar a política ambiental bolsonarista

Mas suponhamos que ele ganhe as eleições; nesse caso, os conservadores terão em suas mãos uma colossal batata-quente: com o Congresso Nacional nas mãos do homem, quem terá forças para mudar a política ambiental de Bolsonaro?

Hoje mesmo eu li, na publicação de um amigo, que aqueles que escolhem o “mal menor” frequentemente se esquecem de que ainda escolheram um tipo de mal. E, no campo ambiental, Bolsonaro está realmente abraçado com o “mal menor”. Um “mal menor” bem grandinho, com o tamanho de um planeta.

Talvez o voto em Bolsonaro seja o mais correto nesse momento, por muitas razões que tantos à direita não se cansam de repetir. Mas a bênção se tornará em maldição se os conservadores não tiverem peito para confrontar a política ambiental bolsonarista. Eu temo, no entanto, que eles não tenham.

Se Bolsonaro vencer o pleito, meus amigos, precisaremos de um milagre.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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