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Uma das tradições mais famosas da Organização das Nações Unidas (ONU) envolve sua Assembleia Geral, realizada anualmente. É sempre um representante brasileiro a discursar primeiro. Isso remonta aos anos 50, quando Oswaldo Aranha, um dos maiores diplomatas de nossa história, presidiu os trabalhos de importantes sessões iniciais da entidade. É triste constatar que a honraria agora se volta contra nós, uma vez que na edição desse ano, a primeira presencial depois do início da pandemia de Covid-19, será aberta por um mandatário que se recusa a tomar vacina. Na sua condição, Jair Bolsonaro envergonhará o país diante de uma comunidade global ainda aflita com as consequências de uma doença que está longe de ser controlada e que continua a gerar vítimas.

Nos últimos dias, a principal tarefa do Itamaraty e de seus funcionários de alto escalão foi negociar uma forma de o presidente comparecer no evento, uma vez que a cidade de Nova York, em que a ONU tem sede, adotou o passaporte da imunização. Ocorre que a área em que ela se localiza pertence a território internacional, não se submetendo à lei americana. Até o Secretário-Geral da ONU Antônio Guterres admitiu que não pode fazer nada. Em entrevista à agência Reuters, disse que “nós, como Secretariado, não podemos dizer a um chefe de Estado que, se ele não estiver vacinado, não poderá entrar na ONU”. Nosso negacionista-em-chefe pode, portanto, encontrar um jeitinho na condição jurídica da organização. Bolsonaro terá de agradecer essa oportunidade ao globalismo.

Antes da Assembleia Geral, vacinação de adolescentes...

Enquanto a Assembleia Geral não começa, o presidente trabalha para atrapalhar o processo de imunização dos brasileiros. Nos últimos meses ele estava absorto com a hipótese de melar a institucionalidade pela força de uma mobilização social arrasadora. Tendo fracassado no intento disruptivo, voltou sua atenção de novo para a vacinação, que vai avançando no país, apesar do discurso de muitos de seus apoiadores. Fez o Ministério da Saúde voltar atrás na sua recomendação de vacinar adolescentes de 17 a 12 de idade. No último dia 2 de setembro, a pasta havia publicado uma nota informativa em sentido contrário.

Na tradicional live de quinta-feira, o ministro Marcelo Queiroga admitiu que a mudança partiu de conversas com Bolsonaro. “O senhor tem conversado comigo sobre esse tema e nós fizemos uma revisão detalhada no banco de dados do Datasus”, disse, ao que foi interrompido pelo presidente, que deixou ainda mais claro: “A minha conversa com o Queiroga não é uma imposição. Eu levo para ele o meu sentimento, o que eu leio, o que eu vejo, o que chega ao meu conhecimento”.

Sentimento"? Queiroga foi empossado com o objetivo de realizar um trabalho pretensamente técnico. Era de se esperar que desempenhasse sua função de modo a orientar o presidente na adoção das melhores práticas sanitárias. Mas este é um governo que funciona ao contrário. O titular da Saúde não consegue convencer Bolsonaro nem a usar máscara e, mais grave ainda, foi convencido, sabe-se lá sob quais argumentos de Bolsonaro, de que o melhor a se fazer agora é suspender a imunização dos mais jovens.

Antes de aparecer ao lado do presidente, Queiroga protagonizou seu próprio espetáculo de irresponsabilidade. Em coletiva de imprensa, lançou dúvidas sobre a segurança das vacinas, contrariou decisões técnicas da Anvisa e desinformou sobre os números referentes a efeitos adversos. Não satisfeito, ainda se prestou à pura demagogia política, acusando Estados e Municípios de não seguirem as orientações do Programa Nacional de Imunizações.

Há quem trate como evolução a substituição de Eduardo Pazuello. Ledo engano. Se o ex-ministro era desacreditado exatamente por ser um militar ignorante sobre a temática da saúde, o atual usa sua condição de médico para emprestar prestígio à fanfarronices obscurantistas e perigosas. Se conseguir subir na tribuna da ONU orgulhosamente não vacinado, Bolsonaro o fará blindado pelo jaleco subserviente e cúmplice de Queiroga.

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