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O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) ainda destacou que a “precipitação dos últimos acontecimentos” poderá resultar em um “confronto de gravíssimas consequências”.
O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

É degradante e constrangedor constatar que, em pleno ano de 2024, um senador da República utilize as redes sociais para edulcorar o golpe de 1964, tentando conferir-lhe uma legitimidade redentora imerecida. Foi o que fez Hamilton Mourão em sua conta no X, ao afirmar: “A história não se apaga e nem se reescreve, em 31 de março de 1964, a Nação se salvou a si mesma”. Parte da direita, da qual o ex-vice-presidente é uma expressão política, adotou a ditadura militar como um bibelô histórico. E, além do anticomunismo, por razões insondáveis, parece que, para efeitos puramente ideológicos, ela foi nefasta ao conservadorismo político.

Em um artigo publicado em 1999 no jornal Globo, Olavo de Carvalho, que testemunhou o episódio como jovem jornalista de esquerda, escreveu que, após a ruptura, com João Goulart já deposto, a direita civil imaginava que chegaria ao poder, tendo Carlos Lacerda como expoente, mas “foi cuidadosamente imobilizada pelo governo militar e acabou por desaparecer do cenário político”.

Os militares criaram uma série de estatais deficitárias e não legaram um “milagre econômico”, mas sim um milagre hiperinflacionário.

Lacerda, aliás, que havia feito um governo exitoso no estado da Guanabara, foi tão perseguido quanto seus ex-adversários João Goulart, Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek, tendo formado com eles uma aliança de resistência. Era tarde. O país mergulhou entre a repressão e as ações criminosas clandestinas. Os grupos terroristas de esquerda e a linha dura das Forças Armadas se digladiaram nos anos de chumbo, o que comprimiu e enfraqueceu as lideranças políticas da época.

Em uma entrevista para a revista Veja em 2011, Carvalho aponta que “tecnocratas assumiram todo o comando do processo e marginalizaram a política, reduzindo a função dos políticos a carimbar decretos oficiais”. Segundo o escritor, a Arena, o partido que sustentava o regime, era “ideologicamente inócua”. O resultado político disso foi a troca de líderes civis autênticos por um bando de oportunistas que inauguraram o fisiologismo moderno. A “direita” acabou se tornando sinônimo de figuras como Paulo Maluf e José Sarney.

Ao longo dos 20 anos em que estiveram no poder, os militares implementaram medidas restritivas de direitos individuais, fecharam o Congresso Nacional, executaram planos econômicos intervencionistas, criaram uma série de estatais deficitárias e não legaram um “milagre econômico”, mas sim um milagre hiperinflacionário que precipitou a década perdida dos anos 80. Considerar isso algum sinal de “salvação” é apenas sintomático de uma mediocridade intelectual, além de uma indignidade moral.

A direita que ainda relativiza a ruptura nega seus verdadeiros valores, entregando o monopólio da defesa da democracia aos adversários de esquerda que afirma opor-se. A mobilização em frente aos quartéis ao longo de 2022, com pedidos de intervenção das Forças Armadas, apenas evidencia essa condição servil ao militarismo, que precisa ser superada nesse campo, junto com seus representantes contemporâneos como Mourão.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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