Ínclito bolsonarista, daqueles que participam de motociadas e frequentam o Palácio do Planalto, o deputado Luís Miranda protagonizou o ponto de inflexão da CPI da Covid. Até então detida no “gabinete paralelo” dos negacionistas e levantando um conjunto consiste de provas da omissão do governo na aquisição de imunizantes, a investigação vinha bem, mas não encontrava um meio de atingir o presidente de forma direta. Foi o parlamentar quem deu o caminho, ao informar que, junto com seu irmão, havia alertado Jair Bolsonaro de um esquema de corrupção acontecendo no Ministério da Saúde na compra da vacina indiana Covaxin. O saldo de sua denúncia é a suspeita de que, ciente do fato, o mandatário nada fez, uma vez que o esquema estaria sendo operacionalizado sob a influência de Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados e figura proeminente no chamado “Centrão”.

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Em resposta a senadora Simone Tebet, Luís Miranda protagonizou um verdadeiro desabafo na sessão da CPI no último dia 25 de junho. Disse que os senadores não sabiam o que ele ia “passar” por apontar um presidente “que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado, ele sabe o nome, ele sabe quem é”. E ainda completou questionando: “Que presidente é esse que tem medo de quem está fazendo algo errado? De quem desvia dinheiro?”.

Nas vezes que apareceu em público para comentar o episódio, Bolsonaro contornou o teor da conversa. Isso porque há suspeita de que a reunião teria sido gravada pelo parlamentar.  Em entrevista ao site “O Antagonista”, Miranda afirmou que o presidente teria uma “surpresa mágica” se confrontasse sua versão dos fatos.

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Houve, entretanto, a tentativa de desmoralizar o conteúdo da acusação. Os governistas espalharam que os termos de compra da Coxavin tinham apenas “erros formais” que teriam sido imediatamente corrigidos. A versão não parou de pé diante dos fatos.

Na última terça-feira (29), após parecer da Controladoria-Geral da União, Marcelo Queiroga anunciou a suspensão do contrato. No relatório, o órgão aponta cinco indícios de irregularidades: 1) Tentativa de realização de pagamento antecipado, sem previsão contratual; 2) Possível pagamento por meio de empresa não signatária do contrato; 3) Descumprimento dos prazos contratuais; 4) Justificativa de preço; 5) Manifestação do Ministério da Saúde sobre o inadimplemento da Bharat/Precisa. Ora, se estivesse tudo certo com o contrato, porque tomar essa atitude tão drástica?

Após a decisão do Ministério da Saúde, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal também suas próprias investigações. No MPF, o procurador José Rocha Júnior tornou a apuração criminal preliminar em oficial. Já a PF abriu inquérito para analisar as suspeitas de irregularidade, analisando o próprio Ministério da Saúde e demais atos suspeitos.

Mas não ficou só nisso. Durante a semana, a Folha de São Paulo trouxe a denúncia de um tal Luís Paulo Dominguette Pereira, Policial Militar que, nas horas vagas, diz representar uma empresa chamada Davati Medical Supply. Para o jornal, afirmou ter oferecido 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca ao Ministério da Saúde, que topou desde que mediante pagamento de propina de US$ 1 a dose. Segundo Dominguette, a proposta teria sido feita pelo então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Renato Dias. Após a publicação da matéria, Dias foi imediatamente exonerado. Em depoimento na CPI, o negociante reafirmou as acusações.

Todos os caminhos parecem levar a Ricardo Barros. Além do que foi relatado pelos irmãos Miranda no caso Covaxin, corre a suspeita de que a indicação e permanência de Renato Dias no Ministério da Saúde tenha sido sob sua orientação. O deputado é influente na pasta desde muito tempo, quando chegou a ser seu titular no governo Michel Temer.

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Bolsonaro foi eleito fazendo discurso moralista. Até pouco tempo, batia no peito que não havia caso de corrupção em seu governo. Os fatos recentes o obrigaram a mudar de discurso. Falando para apoiadores na frente do Palácio da Alvorada, disse que não tem como saber o que se passa dentro dos 22 ministérios. Aparentemente não era o caso da Saúde, conforme o relato não desmentido de seu ex-companheiro de motociada.