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Pais que mantêm filhos longe da escola
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O Ministério do Desenvolvimento Social divulgou uma pesquisa que aponta que há alunos com deficiência fora da escola, por escolha de pais e mães. Foram ouvidas 190 mil famílias, que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) por terem em casa uma pessoa com deficiência e essa condição da família ouvida traz um elemento muito particular para a discussão. O Benefício é repassado para famílias cuja renda per capita é de até R$ 127,50.

O BPC é um direito garantido pela Constituição Federal, que assegura um salário mínimo mensal ao idoso, com idade de 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que comprove não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família.

O principal argumento apresentado pelos pais é a crença de que a criança não teria capacidade de aprender, por isso, não há como matriculá-la em uma sala de aula regular. Mas o que será que capacidade de aprender significa?

De qual deficiência estamos falando? Se falamos do deficiente intelectual, podemos imaginar que o aluno tem um tempo de aprendizagem diferente, precisa de um sistema de interlocução específico, ou tem uma maneira de conviver e de se expressar que requer cuidados especializados.

Se falamos do deficiente auditivo, talvez ele não tenha orientações suficientes para fazer leitura labial, ou os pais imaginam que não vai haver um professor que faça tradução simultânea em LIBRAS na sala de aula (e provavelmente não haverá mesmo). Pode ser que o professor fale baixo demais, ou virado para o quadro o tempo todo, então o aluno não consegue compreender o que é dito. Além disso há o preço alto de um aparelho auditivo.

Se for um visual, não encontrará livros em braile, o professor não terá ferramentas suficientes para avaliar o rendimento dele em sala de aula, ele não conseguirá se concentrar na voz do professor, em meio ao falatório tradicional de uma sala de aula e na hora do recreio não irá conseguir se orientar pelo espaço desconhecido, numa mistura angustiante de sons, texturas e cheiros.

Se for um deficiente físico, não vai conseguir chegar à sala, porque tem escada, ou não terá condições de pegar o ônibus sozinho e os pais não podem se comprometer com o horário de escola dele, ou ele tem sérios desafios motores e não consegue segurar o lápis. Há também a questão dos banheiros, do pátio, da cantina que tem um balcão alto.

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A sala de aula é um espaço de socialização fundamental para o desenvolvimento de uma criança e pode ser uma ferramenta eficaz de inclusão. Realidade distante

Todos esses motivos foram imaginados, são bengalas de fácil alcance e do bom e velho senso comum. Mas a coisa não é tão simples assim. Vale muito a pena olhar com mais cuidado para as famílias que foram ouvidas pelo MDS. Qual é o contexto social e o acesso à informação de famílias com renda per capita de ¼ do salário mínimo?

Qual é o preço que essas famílias pagariam por um acompanhamento médico adequado? O valor desembolsado em aparelhos de qualidade pode estar bem fora da alçada não só do público ouvido pela pesquisa, mas de muitas famílias.

E se há possibilidade de apoio, venha ele de onde vier, quais são os meios usados para disseminar a informação? O posto de saúde mais próximo sabe orientar? Mesmo se não houver possibilidade nenhuma de sanar essas dúvidas, não há problema. Contaremos apenas com a força de vontade de cada um e pensaremos em alternativas. Vamos mudar o olhar e pensar em pais e filhos que dizem não para tudo isso e querem dar um jeito.

Como é o trajeto do aluno de casa à escola? A qualidade do transporte público vai transcender a condição social daquela família? Imagine que a mãe tem condições de acompanhar o filho diariamente até a escola, se for o caso. Isso é ótimo! Agora tente pensar no esforço que é empurrar uma cadeira de rodas em uma favela carioca.

Daremos mais um passo em direção a esse lar hipotético. O Ministério conversou com famílias que recebem o Benefício de Prestação Continuada e para que isso aconteça, o lar precisa ter uma pessoa com deficiência, de qualquer idade, incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que comprove não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família. Isso garante a entrada de R$ 510,00 mensais na renda da casa, o que pode talvez dobrar o rendimento familiar.

O benefício governamental tem o seu lado positivo, porque possibilita (ou teoricamente possibilita) que pais e mães tenham uma quantia mensal para investir na inclusão do filho, criar condições para que ele se desenvolva, se torne uma pessoa produtiva e independente do benefício. Só que isso é romanticamente ingênuo demais. Quem é que vai querer abrir mão de uma renda garantida e em troca ganhar uma penca de desafios de inclusão?

Esses pontos estão presentes na residência e no bairro em que a família está. Eu não entrei no mérito da aceitação escolar. Aliás, isso confunde mais ainda, porque dados do Censo Escolar do MEC mostram que enquanto em escolas públicas o percentual de alunos com deficiência na mesma sala que os demais chega a 70%, na rede privada, o percentual de incluídos é de apenas 8%.

Acho que eu nunca fiz tantas perguntas em um post e também nunca me senti tão sem opinião como estou em relação a esse assunto. Voltando: esses pais mantêm seus filhos fora da escola por que mesmo?

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