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Ministro Alexandre de Moraes em sessão no STF.
Ministro Alexandre de Moraes durante sessão no STF. O ministro foi responsável por determinar o bloqueio das redes sociais do influenciador digital Monark.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF.

Você, como todo ser humano, já quis falar poucas e boas a um político – ou outra autoridade qualquer, um juiz (de futebol ou do STF), um intelectual de esquerda ou de direita, um artistinha engajado e outros tantos. É natural. Impossível não se indignar vez ou outra com certas ideias, posições ou acontecimentos cotidianos. Aliás, diante de alguns absurdos – e hoje há tantos por aí – expressar a indignação não é apenas um gesto natural, mas algo extremamente necessário. O problema é que isso é cada vez mais difícil no Brasil.

Imagine um governante que, eleito para representar a população, toma decisões que vão contra os interesses do país ou diferem totalmente daquilo que seus eleitores acreditam; ou um Judiciário que, em vez de se ater à sua função primordial de aplicar as leis já existentes, se dedica a inventar e criar a seu bel-prazer novas regras e legislações; ou ainda, parlamentares que, no lugar de atuarem de forma independente, preferem agir como vassalos do Judiciário ou se vendem ao governo federal em troca de cargos e benesses.

Nos países onde a democracia não existe ou está em vias de ser suprimida, as autoridades em geral são avessas a críticas.

Atuações como essas, em qualquer democracia do mundo, são passíveis de sofrer críticas da imprensa e dos cidadãos em geral, ao menos daqueles mais ou menos preocupados com os rumos do país. E, avançando ainda mais, tais críticas seriam ouvidas e serviriam para que as autoridades pudessem até mesmo reconhecer seus erros e mudar sua trajetória ou, ao menos, se verem na obrigação de explicar e justificar suas ações perante a opinião pública.

Já nos países onde a democracia não existe ou está em vias de ser suprimida, as autoridades em geral são avessas a críticas. Muito fácil de entender: autocracias sobrevivem graças à manutenção de um poder único, um líder ou um partido supremo, com vastos tentáculos por todas as esferas, que, supostamente, tem apoio massivo da população. Tanto que eleições são prática comum em ditaduras, como uma tentativa de criar o mito de que o regime ditatorial existe por “vontade popular”. Dar espaço para críticas ou questionamentos seria renunciar à ideia de que o líder ou o partido é “amado” e “desejado” por toda a população. Eliminar críticos é um dos pontos-chave para a manutenção das ditaduras.

Estamos diante de um estado de coisas sombrio, onde não temos mais segurança sobre o que se pode ou não dizer.

Por isso é tão preocupante que tenhamos em nosso país cada vez mais interferências no exercício da liberdade de crítica. Lembremos que em junho deste ano, nossos parlamentares ensaiaram institucionalizar a punição para quem criticasse “pessoas politicamente expostas”. A ideia era mandar para a cadeia quem “discriminasse” políticos, mesmo aqueles já condenados em processos que ainda não tivessem transitado em julgado. A pena prevista era de dois a quatro anos de prisão e multa. O texto do projeto de lei acabou sendo modificado, mas só porque gerou forte repercussão. Muitos parlamentares (de todos os vieses ideológicos, diga-se) estavam bem animados com a possibilidade de a medida ser aprovada.

Na esfera do governo federal, a perseguição a eventuais críticos conta até com um aparato estatal, a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) criado oficialmente "para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas". Na semana passada, falei sobre como esse Ministério da Verdade tupiniquim já começou a atuar, escolhendo Alexandre Garcia como seu primeiro alvo. E outros virão, com certeza.

No Judiciário, a coisa, então, degringolou de vez. A lista de decisões equiparando críticas (algumas feitas na esfera privada, inclusive) a crimes contra a democracia é tão grande que chega a ser difícil escolher. A título de exemplo, citemos as várias ações do STF contra Monark, alvo da predileção do ministro Alexandre de Moraes.

Isso tudo ameaça, sem dúvida alguma, o livre exercício de crítica. Estamos diante de um estado de coisas sombrio, onde não temos mais segurança sobre o que se pode ou não dizer, semelhante ao dos regimes autocráticos, onde o cidadão precisa conviver com o risco constante de que suas palavras sejam consideradas crime e, por isso, punidos.

Mas não percamos a esperança – perceber o perigo e agir ainda está ao nosso alcance. Claro, não se trata de uma batalha fácil de ser vencida, precisaremos de muita perseverança, dedicação e empenho para reverter esse estado de coisas, mas é preciso insistir. Nenhuma autoridade ou instituição pode estar acima de críticas e questionamentos. É o único caminho possível para a democracia.

Em tempo, a Gazeta do Povo – que tem a liberdade de expressão como uma de suas bandeiras – promove na próxima semana em Brasília, nos dias 27 e 28, o congresso "Liberdade de Expressão: o Debate Essencial". Serão diversos painéis com juristas e especialistas debatendo temas relacionados à liberdade de expressão e democracia. Para ter acesso às discussões e materiais do evento, é só clicar no banner aqui embaixo. Fica a dica.

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