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Como podemos resistir ao ambiente cada vez mais hostil à liberdade de expressão?
| Foto: Unsplash

Virou notícia esta semana que uma jornalista do Estadão acabou sendo alvo de várias frentes após publicar uma matéria sobre um empréstimo do Banco de Desenvolvimento da América (CAF) para a falida Argentina. A jornalista sofreu ataques de cibercriminosos, teve sua conta no Portal do Governo (Gov.BR) invadida por bandidos, que trocaram a senha de acesso ao portal e exigiram dinheiro para não divulgar dados do Imposto de Renda da profissional.

Nas redes sociais, a jornalista sofreu ataques de petistas descontentes, que disseram que a informação era falsa, pois era perfeitamente normal um banco fazer um empréstimo bilionário para um país quebrado e sem nenhuma condição de pagar qualquer coisa. Mas eles não se limitaram a apresentar sua versão da história e contradizer a matéria do Estadão: usaram também a estratégia cada vez mais recorrente de associar a imprensa à “extrema-direita”, e de tachar toda e qualquer matéria que não incensa Lula de “fake news” ou fruto de um “gabinete do ódio”.

Por vezes somos tentados a acreditar que nada podemos fazer diante desses abusos e que temos de nos conformar em ver as liberdades sendo atacadas.

Lembrando uma ideia já repetida antes nesta coluna, é óbvio que políticos (principalmente os maus políticos) não morrem de amores pela imprensa livre. E aqui não importa se o fulano é de esquerda ou direita; o que a maioria dos políticos no poder (e certas figuras do Judiciário) deseja mesmo é uma imprensa chapinha branca, sempre endeusando o mandatário de plantão, reiterando que tudo vai muito bem obrigado, reproduzindo sem mudar uma vírgula o que sai na Agência Brasil. É o mundo ideal dos políticos: nada de críticas, só elogios. No fundo, muitos dos nossos poderosos gostariam de poder fazer o mesmo que o autocrata russo Vladimir Putin, que condenou uma jornalista a 8 anos de prisão por "divulgar falsidades sobre o Exército da Rússia" – a moça apareceu ao vivo na tevê russa com um cartaz contra a guerra na Ucrânia e esse foi seu “crime”.

Mas a realidade, graças a Deus, está longe disso. E a imprensa livre ainda sobrevive. Sim, por mais percalços e ataques, ainda podemos dizer que temos no Brasil uma imprensa livre. E aqui você vai me interromper dizendo que a imprensa é petista/comunista e mencionar vários jornais, portais e canais com discursinho bem alinhado com o que defende a esquerda. Não vou o contradizer, mas lembre-se de que nem todos os veículos da imprensa são iguais e que, se há aqueles que assumem estar orientados por um perfil mais “progressista” (ainda vou escrever sobre esse tal pensamento “progressista”), há os que têm valores muito bem definidos e insistem em defender coisas como a liberdade, a vida, a dignidade da pessoa humana, o valor da família e o Estado de Direito.

É preciso manter a esperança. Há ações concretas que podemos fazer para interromper os avanços nefastos contra a liberdade de expressão.

Exatamente por termos (ainda) uma imprensa livre, é que podemos ler matérias, reportagens e colunas de opinião críticas ao governo, que questionam ações, políticas públicas e autoridades, que apontam alternativas às propostas governamentais. Numa democracia, isso é encarado com naturalidade, mesmo pelos políticos. Eles podem não gostar do teor do que sai na imprensa, podem responder e criticar, espernear de todos os jeitos, mas JAMAIS podem tentar inibir a ação da imprensa. Se uma matéria ou coluna traz uma informação supostamente incorreta, o governo emite uma resposta com a sua versão da história. Aí cabe ao público, à população, avaliar as duas versões, a da imprensa e a do governo, para chegar a uma conclusão. E segue o jogo.

Quando um governo ou Poder começa a usar a máquina pública para perseguir ou inviabilizar a ação da imprensa livre ou tentar monopolizar “a verdade”, estamos diante de um mau sinal. Chamar uma matéria de “fake news” porque traz uma versão que não agrada aos poderosos, como no caso da jornalista do Estadão, é coisa de ditadura – assim como acionar a tal Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) para “investigar” Alexandre Garcia, ou querer obter informações sobre todas as pessoas que curtiram postagens ou seguem determinado político. Infelizmente, no Brasil de hoje temos visto uma enxurrada de ações parecidas, partindo de políticos e também do Judiciário.

Fazer com que cada mais pessoas tenham acesso a conteúdos jornalísticos de qualidade é fundamental na luta por uma democracia forte.

É um cenário desanimador, admito. O que fazer quando o próprio governo – que possui toda a máquina pública à disposição – ou as altas instâncias do Judiciário parecem ter tão pouco apreço à liberdade de expressão? Responder tal pergunta não é nada fácil. Por vezes somos tentados a acreditar que nada podemos fazer diante desses abusos e que temos de nos conformar em ver as liberdades sendo atacadas e a democracia (ou o que resta dela) ser carcomida a cada dia. Mas é preciso manter a esperança. Há, sim, ações concretas que podemos fazer para interromper os avanços nefastos contra a liberdade de expressão, de pensamento, de crítica e de imprensa.

A primeira delas é exatamente não se perder a esperança de que esse processo pode ser revertido. É fácil construir um país onde as liberdades são devidamente respeitadas? Não, não é, precisamos ter isso em mente. Nenhum passe de mágica coloca um país nos trilhos, não existem salvadores da pátria e nem instituições devem se colocar como responsáveis por “direcionar a história na direção certa”. Mas a ação das pessoas tem peso e pode mudar a realidade, em especial quando há engajamento e perseverança. Não perca a fé.

A segunda coisa a se fazer é não se calar. Poderosos querem o povo caladinho, morrendo de medo de falar qualquer coisa que possa ofendê-los. Por isso vemos tantas ações espetaculares para criar esse clima de terror sobre o que se pode ou não se pode dizer no Brasil hoje. Mas você tem o direito de se posicionar, de criticar, de expor o que pensa. O direito de expressão não é absoluto (vou tratar disso aqui no futuro), mas ponderações serenas, sem ataques pessoais, e a divulgação de ideias divergentes precisa continuar. Como fazer isso? Opine sobre o que lê, por exemplo. Diga se concorda ou discorda de algum conteúdo. Faça um comentário (aqui mesmo, nesta coluna, se quiser). Compartilhe uma reportagem/coluna que expresse seu ponto de vista nas redes sociais. Não se cale.

Em terceiro lugar, apoie iniciativas e veículos de imprensa que valorizam e defendem a democracia: imprensa não é tudo igual. Leia bons jornais e portais, comente e divulgue seus conteúdos. Se tiver condições, faça uma assinatura e ajude a manter esses veículos – jornalistas são trabalhadores como tantos outros e precisam sustentar suas famílias com seus salários. Quem já assina, pode doar assinaturas para outras pessoas. A Gazeta do Povo, por exemplo, possui um programa especial chamado Círculo de Líderes, onde qualquer pessoa ou empresa pode se tornar um patrono do jornal, ampliando o número de pessoas com acesso aos conteúdos da Gazeta. Fazer com que cada mais pessoas tenham acesso a conteúdos jornalísticos de qualidade é fundamental na luta por uma democracia forte e que respeita as liberdades. Não deixe a imprensa livre morrer.

Listo apenas três pontos – não são os únicos, e mais à frente trataremos de outros –, mas que são fundamentais nessa caminhada em torno da construção de um país com mais (e melhor) liberdade de expressão. São ações práticas ao alcance de qualquer pessoa e que podem ser replicadas infinitamente. E, sim, pode demorar um pouco, mas trazem resultado, acredite. Ainda resta esperança.

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