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Moradores locais ajudam a polícia, peritos forenses e promotores de crimes de guerra a exumar os restos mortais de seis pessoas de uma vala comum, no vilarejo de Pravdyne, na região de Kherson
Moradores locais ajudam a polícia, peritos forenses e promotores de crimes de guerra a exumar os restos mortais de seis pessoas de uma vala comum, no vilarejo de Pravdyne, na região de Kherson| Foto: EFE/EPA/ROMAN PILIPEY

Quantas vidas foram perdidas na guerra da Ucrânia até agora? É possível que nunca saibamos, devido à própria natureza incerta da guerra. Após quase cinco meses de silêncio sobre baixas, o governo ucraniano apontou um número: entre 10 mil e 13 mil soldados ucranianos morreram, segundo o assessor presidencial Mykhailo Podolyak.

O número parece subestimado. Semanas antes, o Pentágono havia estimado que o número de baixas ucranianas (mortos e feridos) chegaria a 100 mil. As baixas russas chegariam à mesma cifra.

Mas nem mesmo os militares americanos chegaram a fazer distinção dentro dessas 200 mil baixas de quantas pessoas morreram e quantas foram feridas. O senso comum diz que o número de feridos deve ser muito maior que o de mortos.

Também há a estatística diária divulgada pela Ucrânia sobre russos mortos. Na última semana, o número beirava 89 mil. Mas é preciso analisar a cifra com cautela, pois ela é usada por Kyiv dentro de um pacote de propaganda de guerra que visa elevar o moral dos soldados e o esforço de guerra da população civil.

Moscou não tem divulgado estimativas de baixas nem do inimigo nem em suas próprias fileiras. Isso é compreensível dentro da estratégia política russa, que classifica a invasão da Ucrânia como uma “operação militar especial”.

Desde o início dela, em 24 de fevereiro, o Kremlin tenta afastar a guerra do dia a dia da população russa. A ideia é não quebrar uma espécie de acordo tácito, no qual o governo se compromete a entregar estabilidade e prosperidade em troca de uma sociedade que não conteste suas decisões políticas.

Portando, divulgar o número de russos mortos, ou mesmo de ucranianos abatidos, seria admitir a seu público interno que o país está envolvido em uma guerra de grandes proporções - a maior em solo europeu desde a Segunda Guerra.

Além das baixas militares, há também as mortes da população civil ucraniana. O número oficial divulgado pela ONU é de pouco mais de 6,5 mil pessoas. Mas essa cifra é extremamente conservadora. Para se ter ideia, investigações de imagens de satélites identificaram valas coletivas só na região de Mariupol que podem conter mais de 20 mil corpos.

Nunca é demais lembrar que matar a população civil durante um conflito é considerado crime de guerra. A União Europeia está se articulando para criar um tribunal para investigar crimes dessa natureza cometidos pelas tropas russas.

Há ainda os desaparecidos, que não entram nessas estatísticas. As histórias deles estão entre as mais trágicas, pois seus familiares têm de conviver com a incerteza de seu paradeiro.

Nesta última semana, entrevistei a jovem ucraniana Alesya Aulina, que faz parte de um grupo de esposas e mães que não têm notícias de seus familiares. O marido de Alesia, Damir Aulin, era o capitão de uma embarcação da Marinha ucraniana que foi a pique em março. Ele não estava entre os marinheiros resgatados e seu corpo não foi encontrado pelas equipes de resgate. Alesya acha que ele está vivo em uma prisão russa.

“Eu estava no terceiro mês de gravidez. Ele ainda não sabe que já é pai”, me disse a moça aos prantos. “Eu vou criar o meu filho como um homem. Como o pai dele, será um defensor da família e do nosso país”, disse.

Segundo a Comissão Internacional para Pessoas Desaparecidas, uma organização mantida por diversos países, com sede na Holanda, ao menos 15 mil pessoas sumiram desde o início da guerra.

Entre elas estão mortos que nunca tiveram os corpos encontrados, ucranianos forçados a migrar para a Rússia que não conseguiram retornar ou fazer contato com os parentes e combatentes e civis levados para prisões clandestinas russas.

Assim, é provável que o número de mortos na guerra na Ucrânia seja computado somente anos depois do conflito, pelos historiadores, e no formato de estimativa e não de uma cifra comprovada.

O número real deve se perder na “névoa da guerra”. A expressão é de uso comum pelos estudiosos dos conflitos. Ela é inspirada na obra “Da guerra”, do pensador prussiano Carl Von Clausewitz (1780-1831).

Ele classificava a guerra como o “reino da incerteza”, pois a maioria das ações no conflito é envolta em uma névoa de maior ou menos incerteza. Dizia que é nesse ambiente que os combatentes precisam julgar as poucas informações que têm à disposição e tomar as melhores decisões que conseguirem.

O que observo aqui na Ucrânia é que a proporção colossal do conflito – no qual os combatentes nas batalhas são contados às dezenas de milhares - é um dos fatores que mais contribuem para essa incerteza.

Nota sobre o Brasil

Desde 24 de fevereiro, tenho dedicado este espaço da coluna Jogos de Guerra à invasão russa na Ucrânia. Penso tratar-se do conflito mais importante das últimas décadas e seus desdobramentos já estão alterando a geopolítica do mundo e vão ditar o rumo das guerras do futuro.

Contudo, mesmo aqui da Ucrânia, não deixo de acompanhar a realidade brasileira. Na última semana, um comentarista chamado Paulo Figueiredo afirmou que haveria uma divisão política entre direita e esquerda dentro do Alto Comando do Exército. Ele citou nomes de três generais e afirmou que eles estariam impedindo os outros 11 membros do colegiado a intervir no processo eleitoral brasileiro.

Eu venho fazendo a cobertura jornalística dos assuntos do Exército desde 2005, para vários veículos de imprensa. Sempre foi recorrente o pedido de meus editores para “apurar como está o clima no Exército”. Na prática, isso significa tentar saber o que os 14 generais do Alto Comando estão debatendo.

Os jornalistas conseguem ter acesso a alguns desses generais e falar com eles informalmente - já que esses militares não podem se pronunciar oficialmente. Há uma certa rotatividade dos membros do Alto Comando, o que dificulta ainda mais o trabalho dos jornalistas.

Não conheço nenhum colega jornalista que tenha acesso sequer à metade desses generais (me incluo nessa estimativa) e acho improvável que o comentarista que levantou a polêmica tenha. Por isso, ao longo dos anos, aprendi que é possível apurar tendências e levantar assuntos que foram tratados pelo Alto Comando - mas nunca dar uma espécie de placar. Se tentamos fazer isso, acabamos retratando uma visão parcial do todo e podemos prejudicar reputações injustamente.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o general Richard Fernandes Nunes, que tem uma carreira irrepreensível, tanto no setor acadêmico do Exército como no comando de tropas. Ele foi o Secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro durante o período de intervenção em 2018. O comentarista apontou que Nunes atuaria com partidarismo político dentro do Exército. Não tenho dados sobre os demais citados, por isso não comentarei seus casos.

Mas não acredito que haja partidarismo político no Alto Comando. Creio que os generais devem ter discutido, sim, o pedido de intervenção feito por milhares de manifestantes na frente dos quartéis. É possível que tenha havido opiniões favoráveis e contrárias a uma eventual ação da instituição, mas a posição que vale é a do comandante do Exército e a instituição não se envolveu, ao menos até agora.

Escrevo esta nota para recomendar ao leitor de Jogos de Guerra que, independentemente de ser favorável ou contrário ao que pedem os manifestantes na frente dos quartéis, analise com muita cautela os pretensos placares de votos do Alto Comando do Exército. Esse tipo de informação tende a ser um erro de apuração ou uma tentativa de alguma fonte de forçar uma situação.

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