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Os presidentes George W. Bush e Lula, durante visita do norte-americano ao Brasil, em 2007.
Os presidentes George W. Bush e Lula, durante visita do norte-americano ao Brasil, em 2007.| Foto: Sebastião Moreira/EFE

Em 2012, ocorreu um fato pitoresco na província chinesa de Hubei. Um rapaz se casou e a noiva, Liang Qian, se negou a fazer sexo com ele na noite de núpcias. Li Jun, pai do rapaz, foi tirar satisfação com a nora. Ela juntou a família e deu uma surra no sogro. Foi muito azar! Além do filho desapontado, o pai ainda apanhou da nora e de seus familiares. Na sequência, o noivo insatisfeito moveu um processo contra a noiva e os familiares por danos morais. Nunca fiquei sabendo da decisão judicial.

Naquele ano de 2012, escrevi um artigo sobre esse episódio jocoso, embora real, para estabelecer analogia com a relação do Brasil com os Estados Unidos. Retrocedi a 2007, quando George W. Bush, tão xingado pela esquerda quanto seria, depois, Donald Trump, veio ao Brasil e se encontrou com Lula. Diante do público e da imprensa, Lula disse: “Estamos andando com muita solidez para encontrar o chamado ponto G e fazermos alguma coisa”. Bush não se aguentou e riu, pois o tradutor foi fiel à fala lulista.

A esquerda latino-americana sempre viveu uma relação de amor e ódio com os Estados Unidos. Roberto Campos (que fora embaixador do Brasil em Washington de 1961 a 1964, em pleno governo do esquerdista João Goulart) dizia que os presidentes latino-americanos iam a Washington e diziam: “Me dá um dinheiro aí, seus ianques imperialistas!”. Pegavam o dinheiro e voltavam a xingar os norte-americanos.

A esquerda latino-americana sempre viveu uma relação de amor e ódio com os Estados Unidos

Naquele 2012, a presidente Dilma Rousseff foi aos Estados Unidos; um assessor dela declarou que seria uma viagem de lua-de-mel e que a “presidenta” iria com muito amor, mas com muita firmeza. Dilma pensava se comportar como a noiva chinesa: amassos sim, sexo não, mesmo sendo o presidente Obama bastante charmoso, embora bastante astuto. Obama sorria, elogiava, prometia, mas não dava nada e, com Dilma, ele se comportou como a noiva chinesa: apenas alguns afagos, nada mais profundo.

Dilma voltou ao Brasil com a lista do que Obama não fez: não deu apoio ao Brasil na busca de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU; não aprovou a compra de aviões da Embraer; não prometeu desonerar as importações de carne bovina brasileira; não prometeu comparecer na conferência Rio+20; e não ofereceu jantar a Dilma na Casa Branca (gesto simbólico do status da visita).

As relações entre duas nações são movidas por cortesia e amizade entre seus governantes, mas o fator principal são os interesses. Brasil e Estados Unidos têm um histórico de boa parceria, mas sem a ilusão de que os norte-americanos vão tratar nosso país como um irmãozinho pobre que precisa ser ajudado. A ajuda pode até vir, desde que coincida com os interesses dos irmãos do Norte.

Os governantes norte-americanos sabem que a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, mas que isso não ocorreu por bondade ou afinidade ideológica: foi por necessidade, interesse e vantagens para os dois lados. A China tem 1,4 bilhão de bocas para alimentar e é um negociante duro, com inclinações imperialistas. Basta ver o que os chineses andam comprando pelo mundo em imóveis e o que andam aplicando em investimentos diretos, inclusive aqui no Brasil.

E não são somente investimentos. A China instalou uma base militar na Argentina, cuja finalidade é meio misteriosa e objeto de polêmica. Outra informação: os chineses adquiriram mais de 3,5 milhões de hectares de terras em países como Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Cingapura, Japão, Índia, Malásia, Estados Unidos, Portugal, França, Reino Unido e Suécia.

Os chineses se justificam dizendo que seu país tem perto de 20% da população mundial, uma grande parte dela ainda muito pobre, e que suas intenções são meramente econômicas, não imperialistas. A questão é convencer o mundo a acreditar nisso, o que só é possível por meio de ações concretas e não discursos. Por isso, o Brasil tem de cuidar dos interesses e da soberania do país, e deixar esse negócio de “lua-de-mel” e “ponto G” para o mundo dos prazeres.

A China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, mas que isso não ocorreu por bondade ou afinidade ideológica: foi por necessidade, interesse e vantagens para os dois lados

Em anos de eleição presidencial, o tema das relações exteriores acaba surgindo e, com ele, a questão do pragmatismo responsável. Atualmente, já há perguntas sobre os rumos do Itamaraty e da política externa. O pragmatismo é uma espécie de diretriz que coloca os interesses nacionais em primeiro lugar, sem maiores considerações de natureza ideológica ou doutrinária nas relações diplomáticas e comerciais com o resto do mundo.

O pragmatismo responsável significa que a política externa respeitará os tratados internacionais, as consequências sobre a economia interna e as normas das quais o Brasil é signatário, inclusive no campo do meio ambiente e dos direitos humanos. De qualquer forma, é um tipo de relação internacional que vai ao encontro da declaração de Deng Xiaoping, o antigo líder chinês, que justificava sua política de abertura ao capitalismo dizendo: “Não importa a cor do gato, desde que ele agarre o rato”.

Ganhe quem ganhar a eleição, o Brasil não escapará de expor ao mundo qual política externa o país empreenderá, sobretudo num momento em que os organismos internacionais e o sistema financeiro andam reticentes em relação à América Latina.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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