Mercado em Pequim: sobre uma montanha de comida, os chineses assistem ao consumo global superando a produção| Foto: EFE/EPA/WU HONG
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A crise global de alimentos não se deu em um piscar de olhos. Alguns caem na tentação de explicá-la como se fosse um resultado da invasão russa na Ucrânia. A inflação no preço dos alimentos, que é sentida em todas as partes do mundo, é um dos efeitos mais evidentes do problema. O risco de desabastecimento tende a se agravar com a ameaça de quebra da safra por déficit de fertilizantes. Um reflexo equivocadamente tratado como uma das consequências da guerra iniciada por Vladimir Putin.

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Em setembro de 2020, esta coluna alertou para as importações atípicas da China. O regime comunista avançava com uma ferocidade incomum sobre os estoques de alimentos. Era evidente naquele momento que, além de o país estar enfrentando fenômenos climáticos severos (secas e enchentes em pontos diferentes de seu vasto território), também havia a pressão causada pela perda de milhões de suínos que tiveram que ser sacrificados por causa de uma doença veterinária.

O fenômeno era explícito e fez a alegria do agronegócio brasileiro, que vendeu mais do que nunca com a cotação do dólar nas alturas. Nunca se amou tanto a China como naquele momento.

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Passados exatos 12 meses, em setembro de 2021, a China fez outro movimento. Com seus silos e depósitos abarrotados de grãos, o regime chinês reduziu drasticamente as exportações de fertilizantes. A maior produtora de fertilizantes do planeta cortou em 66% as exportações do insumo. Em uma operação disfarçada de fiscalizações alfandegárias, que é na realidade uma manobra para restringir drasticamente as exportações.

Enquanto cortava o provimento de insumos para mercados como o do Brasil, por exemplo, a China se via na cômoda posição de quem saia de uma iminente crise alimentar, em 2020, para a dona dos maiores estoques de alimentos do planeta.

Em dezembro de 2021, segundo os levantamentos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, a China já havia estocado mais da metade de todos os grãos disponíveis para alimentação mundial. Neste momento, estima-se que os estoques chineses estão próximos de 69% de toda a reserva global de milho, 60% do arroz e 51% do trigo.

A gula chinesa era visível, mas no lugar de entender e se preocupar, todo mundo só tratou de comemorar a enxurrada de dólares para os bolsos dos produtores. Nos últimos cinco anos, as importações chinesas de grãos cresceram até 12 vezes, dependendo do tipo e da origem. A importação de carne em 2021 foi cinco vezes maior que em 2017.

“A tigela de arroz do povo chinês deve ser firmemente mantida em suas próprias mãos”, disse o ditador Xi Jinping, para explicar o movimento tão agressivo.

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Sobre uma montanha de comida, os chineses assistem ao consumo global superando a produção e os estoques ocidentais minguarem em um ritmo preocupante. Apenas para citar os Estados Unidos, é previsto que a sua produção de grãos e seus estoques terão o nível mais baixo desde 2014.

O índice de preços dos alimentos divulgado pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), das Nações Unidas, atingiu recorde histórico neste ano, batendo o recorde anterior, que é de 2011.

A guerra na Ucrânia impactou negativamente o preço dos alimentos, mas a crise alimentar tem origem em outra guerra. Xi sabe melhor do que ninguém que os seus compatriotas não aceitam um refluxo em seu padrão de vida, que em um passado muito recente foi marcado por fome e privações. Algo que para o Partido Comunista Chinês faz parte do longo rosário de humilhações que os “inimigos” da China impuseram ao regime e ao povo chinês.

Será que Xi sabia que, combinados à suspensão das exportações de fertilizantes, seus estoques desmedidos de comida e o colapso das cadeias logísticas levariam o mundo ao desabastecimento e inflação? Caso sim, por que ninguém mais está prestando atenção nesses movimentos?

A má conduta da China na pandemia de Covid-19 deveria ter ensinado os líderes ocidentais sobre a obrigatoriedade de, além de observar, interpretar os gestos de Pequim. Nem toda guerra é lutada com armas como na Ucrânia.

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O Partido Comunista Chinês está lutando a deles. Uma batalha que não se resume na sobrevivência do regime e das regalias de seus líderes. E o inimigo, rival, oponente, concorrente (chame do que quiser) está no Ocidente.

Quando você for ao supermercado e sentir o preço salgado ou a falta de um produto na prateleira, lembre-se: ele não desapareceu simplesmente. Está nos silos e depósitos na China.