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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Sucessão de desastres políticos

O que Simón Bolívar diria à esquerda latino-americana?

“Este país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para depois passar às mãos de tiranos quase imperceptíveis, de todas as cores e raças”, Simón Bolívar. (Foto: Leonardo Coutinho com Chat GPT)

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Se o libertador Simón Bolívar pudesse hoje atravessar as brumas da morte para observar o destino da América Latina, não encontraria a Pátria Grande que sonhou. Não se trata da fragmentação geográfica que tanto Hugo Chávez quis solucionar, patrocinando uma integração bolivariana que teria como destino a fusão em uma nova Gran Colombia.

Bolívar encontraria, em vez disso, uma região mergulhada na pobreza, dilacerada por violências internas, traída por elites ideológicas que se dizem herdeiras de sua causa, mas traem o povo que dizem representar.

Não é que a tal direita reacionária e perversa tenha triunfado, como os mais apressados tendem a dizer. Embora os trogloditas que se dizem de direita também tenham sua culpa, na maioria das vezes, eles jogaram parados assistindo à autodestruição de um projeto que prometia justiça social, mas entregou repressão, ruína institucional e idolatria revolucionária. 

A esquerda latino-americana se tornou prisioneira de seus próprios rótulos. E Bolívar, que dedicou sua vida à liberdade e à unidade dos povos, teria todo o direito e o dever de protestar diante da lambança daqueles que se dizem seus herdeiros.

A história recente do continente é marcada por uma sucessão de desastres políticos justificados por um vocabulário revolucionário e cínico. Em nome do povo, a esquerda apoiou e apoia ditaduras, destruiu e destrói instituições, aniquilou e aniquila a liberdade de expressão. 

Em nome da educação popular, a esquerda implodiu os sistemas de ensino desde o ensino básico ao superior. Em nome da cultura nacional, apagou tradições, silenciou vozes e sacrificou o patrimônio arquitetônico e espiritual.

A luta armada, símbolo do século XX, tornou-se uma caricatura de si mesma: não libertou ninguém, mas sim instaurou o terror e a fragmentação social. Onde estavam os libertadores quando a América Latina se tornou a região mais letal para jornalistas e ativistas? Quando o narcotráfico converteu Estados em empresas criminosas? Quando o campo cultural foi capturado por intelectuais cortesãos?

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Tentou reinventar o "homem novo", mas gerou o cidadão ressentido, dependente do Estado, intolerante e alienado.

Bolívar escreveu, em sua célebre carta de 1830, pouco mais de um mês antes de sua morte: "A América é ingovernável para nós". Hoje, talvez dissesse: “A esquerda tornou a América irreconhecível.” Porque aqueles que se diziam redentores tornaram-se tiranos; aqueles que falavam em nome dos pobres enriqueceram em seus palácios bolivarianos; e aqueles que prometiam o paraíso na terra deixaram apenas ruínas.

Nada expressa isso com mais fidelidade que a Venezuela, de Nicolás Maduro; Cuba e Nicarágua – apenas para ficar nos exemplos mais explícitos da esquerda bolivariana violenta e ditatorial. Mas eles não são os únicos no amplo espectro que vai de moderados a facínoras.

As ideias erradas, a ideologia que se sobrepõe ao bem comum e aos interesses nacionais, a corrupção, a tortura, a perseguição aos opositores, a implosão dos valores são alguns ingredientes do coquetel que é servido pelos “herdeiros” do Libertador.

Na mesma carta, Bolívar disse ao destinatário, o general equatoriano Juan José Flores, outros conselhos e diagnósticos que se revelaram proféticos. “O que é necessário para uma revolução está no mar. A única coisa que você pode fazer na América (Latina) é emigrar”, escreveu Bolívar, recomendando ao amigo que a única revolução que restava era a pessoal, fazer as malas e partir de barco. Para a terra dos colonizadores.

Bolívar continua: “Este país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para depois passar às mãos de tiranos quase imperceptíveis, de todas as cores e raças”. Para coroar a sua desilusão, ele afirmou: “Devorados por todos os crimes e extintos pela ferocidade, os europeus não se dignarão a nos conquistar. Se fosse possível que parte do mundo voltasse ao caos primitivo, este seria o último período da América”.

Simón Bolívar estava certo. Certíssimo. E toda vez que os revolucionários, que são criaturas endêmicas da América Latina, colocam em prática seus ideais, promovendo rupturas e substituições “bolivarianas”, o continente caminha para trás. “Como se voltasse ao caos primitivo” que nos torna tão inviáveis que nenhum europeu jamais toparia assumir a missão de nos governar.

Parece cada vez mais que a melhor “revolução” para os latinos seja mesmo o mar, ou o aeroporto.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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