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O “efeito halo”, um viés cognitivo descrito pelo psicólogo Edward Thorndike em 1920, ocorre quando a percepção positiva (ou negativa) de uma característica de uma pessoa ou instituição molda e contamina a percepção geral sobre ela. Ao desfocar a realidade, distorcer o julgamento público e impossibilitar a construção de consensos, este viés está no cerne de muitos conflitos atualmente em curso no Brasil.
Trata-se de uma filtragem psicológica que produz interpretações opostas de fatos idênticos – e avaliações opostas sobre as mesmas pessoas. O fenômeno é amplificado quando os próprios personagens envolvidos atuam tendo como prioridade não o bem comum, mas a reafirmação da imagem idealizada que têm de si. Por sua vez, os apoiadores tendem a ver seus líderes como moralmente superiores, enquanto demonizam o adversário.
Em um momento de grave tensão institucional e radicalização ideológica, agentes públicos agem motivados não pela razão e pelo bom senso, mas pelo temor de demonstrar fraqueza e por uma visão de mundo maniqueísta. Opiniões divergentes são percebidas como ameaças, e o adversário vira inimigo. A realidade se transforma em uma mesa de jogo, onde ninguém se mostra disposto a ceder. Ao contrário: é preciso sempre dobrar a aposta.
No Brasil de 2025, esse fenômeno tem impactos profundos na política. Contrariando todos os planos e expectativas do sistema, pesquisas indicam vantagem de Bolsonaro sobre Lula em um eventual segundo turno, caso os candidatos sejam os dois (“Ah, mas Bolsonaro está inelegível...” Ora, pouco tempo atrás, Lula também estava. Este é um efeito da nossa instabilidade jurídica: tudo pode acontecer.)
O efeito halo também se manifesta na percepção que a população tem do Judiciário, em meio a acusações de censura e perseguição dirigidas ao STF. É importante que se diga que isso decorre de um fato inusitado em uma democracia: a Suprema Corte se ter transformado em protagonista da política nacional, em vez de agir como árbitro imparcial e com a necessária sobriedade que lhe cabe.
Se um ministro tem a imagem de censor (ou de defensor da democracia, a depender da bolha), suas ações passam a ser vistas não de forma objetiva, mas como autoritárias (ou garantidoras da ordem)
O viés se manifesta ainda mais no campo da liberdade de expressão, uma vez que decisões judiciais vêm impondo reincidentemente limites ao discurso político e aos conteúdos postados nas redes sociais. Se a autoridade é vista como aliada, a censura é vista como “regulação”; se é vista como inimiga, é interpretada como “ditadura de toga”.
Como o STF vem sendo acusado de extrapolar suas funções, de atuar como um “Poder Moderador” que interfere indevidamente na política, a consequência é que suas decisões passam a ser interpretadas mais em função de quem as profere do que pelos seus aspectos estritamente jurídicos.
Se um ministro tem a imagem de censor (ou de defensor da democracia, a depender da bolha), suas ações são vistas não de forma objetiva, mas como autoritárias (ou garantidoras da ordem). Pior ainda se ele for percebido como aliado de um campo político: qualquer decisão sua será compreensivelmente rotulada como parcial.
Da mesma forma que o halo negativo parece estar prevalecendo em Lula, a Suprema Corte também está sendo vista, predominantemente, como uma instituição politizada, que abusa de seu poder e atua para silenciar vozes dissidentes, sobretudo as de direita e conservadoras.
Ainda que grupos favoráveis ao Judiciário vejam essas medidas como necessárias para proteger a democracia, decisões como a remoção de conteúdo nas redes sociais, investigações intermináveis sobre fake news e ameaças de prisão a depoentes alimentam a percepção crescente de que, primeiro, o STF tem lado; segundo: de que ele persegue seus adversários políticos.
De novo: tudo isso reforça a impressão de uma cultura de silenciamento seletivo, na qual o que pode ou não pode ser dito depende de quem está falando – e de quem julga.
Também não contribuem para melhorar a imagem do Supremo comportamentos que ferem a liturgia da instituição e, em alguns casos, beiram a falta de compostura – inclusive no exterior, ou em eventos promovidos por empresas que serão julgadas pela Corte. Como no caso da mulher de César, aos ministros do STF, como a todos os agentes públicos, não basta ser: é preciso, também, parecer.
Com as eleições de 2026 se aproximando, aumenta o risco de um novo ciclo de radicalização - e de intensificação do efeito halo. Mais uma vez, os candidatos serão vistos como salvadores ou inimigos públicos, a depender da bolha. Mais uma vez, aqueles que conseguirem construir um halo positivo – seja como defensores da liberdade ou como paladinos da justiça social – podem se beneficiar do viés, mesmo que suas propostas sejam vagas, inconsistentes ou simplesmente estúpidas.
Agrava esse cenário já preocupante o fato de que a confiança de boa parte da sociedade no processo eleitoral também se encontra debilitada, em meio a decisões recorrentes sobre inelegibilidades e cassações. Qualquer decisão sobre eventuais mudanças nas regras de propaganda eleitoral, por exemplo, será fatalmente vista pelo filtro do efeito halo, o que pode comprometer ainda mais a imagem de imparcialidade indispensável à Justiça Eleitoral.
O futuro do Brasil depende, em grande parte, da nossa capacidade coletiva de sair das bolhas e passar a julgar menos pelas aparências, e mais pelos fatos. Uma coisa é certa: mitigar os impactos do efeito halo na política e no Judiciário exige transparência, bom senso e moderação, não radicalização e bravatas.
Conteúdo editado por: Aline Menezes




