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Um fantasma ronda a Europa: a democracia de tapetão. São claros os sinais de uma mudança estrutural na política do continente, em diferentes países. No novo modelo que se consolida, a vontade popular deixa de ser soberana: ela só é respeitada dentro dos limites impostos pelo establishment.
Na França, a conservadora Marine Le Pen, favorita nas pesquisas, foi condenada e impedida de concorrer. Na Romênia, a eleição presidencial foi anulada, e o candidato vencedor, Calin Georgescu, está sendo acusado de diversos crimes. Na Alemanha, a AfD de Alice Weidel, de orientação conservadora e anti-imigração, foi oficialmente classificada como extremista, o que sujeita o partido à vigilância estatal e restrições operacionais. Na Espanha, o Vox enfrenta processos relacionados a denúncias de machismo e xenofobia. Na Inglaterra, a censura cresce a olhos vistos.
Em todos esses países, a ascensão de movimentos nacionalistas foi impulsionada por crises econômicas, imigração descontrolada e desconfiança crescente das pessoas comuns nas elites que as governam.
Amedrontado, o sistema responde tentando conter esse movimento e apelando ao Judiciário. Ato contínuo, a classificação de partidos e candidatos de direita como "extremistas" ou "antidemocráticos" legitima intervenções judiciais. É o triunfo da juristocracia, tema que abordei neste artigo.
Amplificada pela grande mídia e por organizações internacionais, essa narrativa cria uma atmosfera na qual a supressão da oposição parece justificada, ou mesmo necessária. Acusações vagas como “incitação ao ódio”, “difusão de desinformação” e “ataques à democracia” bastam para criminalizar adversários e tirar da corrida qualquer candidato que ameace a estabilidade do sistema.
É o popular lawfare — o uso estratégico do sistema judicial para expelir adversários políticos. Por ora, o alvo evidente é a direita, mas nada impede que, no futuro, políticos de esquerda também sejam perseguidos, caso não se enquadrem nas expectativas.
É assustador. Mesmo em países que pareciam exemplos de democracias consolidadas, a tolerância e o respeito às diferenças deixaram de ser pilares fundamentais da democracia. Ironicamente, a própria defesa da democracia foi transformada em pretexto para restringir a liberdade de expressão e o pluralismo político.
Mas perseguir e calar opositores para defender a democracia representa um paradoxo perigoso. Entre outros efeitos colaterais desse fenômeno, o processo eleitoral passa a ser percebido como uma encenação teatral, na qual os atores que não seguem o roteiro são sumariamente expulsos do palco. Ou um reality show, no qual as regras mudam de forma a barrar determinados participantes e beneficiar outros.
Como as elites não aceitam perder o controle político e sabem que serão derrotadas nas urnas, elas apelam à judicialização como forma de neutralizar adversários – mesmo que ao custo de neutralizar, também, a vontade popular. Tudo com apoio dos tribunais e da grande mídia, que hoje se assumem explicitamente como atores políticos e sequer simulam imparcialidade.
A percepção de que a democracia se tornou uma farsa leva ao aumento da instabilidade social e política
O problema é que as pessoas não são cegas. A perseguição seletiva a partidos e candidatos de direita e a percepção de que o sistema está jogando contra um determinado grupo mina a confiança e nas instituições e a legitimidade do sistema político. Além disso, a História demonstra que a supressão de movimentos populares muitas vezes os fortalece ou os radicaliza.
Quando a judicialização da política, ainda que com pretextos nobres, é usada para suprimir a vontade popular, manipular processos eleitorais e perseguir opositores, não se trata mais de uma democracia plena: trata-se de uma democracia condicional, na qual candidatos e partidos que não agradem ao sistema não têm espaço.
A percepção de que a democracia se tornou uma farsa leva ao aumento da instabilidade social e política: quando eleitores veem sua vontade anulada por tribunais, a legitimidade de todo o processo é questionada.
Nesse contexto, três tendências parecem claras na Europa:
Primeiro, o fortalecimento da direita: como reação à perseguição, partidos como o RN na França e o AfD na Alemanha atrairão a simpatia de uma parcela ainda maior da população. Eleitores que se sentem marginalizados podem buscar alternativas mais radicais, aumentando a fragmentação política e dificultando a governabilidade.
Segundo, uma crise institucional, com paralisação dos parlamentos e a escalada de protestos em massa. A polarização e a desconfiança mútua tornam a cooperação mais difícil. A formação de governos de coalizão e a construção de consensos políticos se torna mais difícil, mesmo em assuntos onde poderia haver convergência.
Terceiro, como resposta à crise de confiança, esses países podem propor reformar para recuperar legitimidade, ou... Podem dobrar a aposta, ampliando a censura e outras medidas repressivas, reforçando a concentração de poder nas mãos de elites não eleitas.
Seja como for, a "democracia de tapetão" terá consequências severas. Ela erode a confiança na democracia, ao alimentar a percepção de que o sistema é manipulado. E pode ter um efeito bumerangue, colocando em risco a estabilidade política e social dos países envolvidos.
A "democracia de tapetão" representa uma ameaça silenciosa, mas altamente corrosiva. Quando decisões judiciais são usadas para frustrar a vontade popular, a justificativa de "proteger a democracia" soa vazia. A verdadeira democracia só floresce quando a vontade do povo é respeitada, não quando é silenciada por decisões de bastidores.
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Conteúdo editado por: Aline Menezes