O economista liberal Milton Friedman defendia o Imposto de Renda Negativo| Foto:
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No Brasil, tudo que é anunciado como provisório corre o sério risco de virar permanente. Medidas emergenciais são tomadas para enfrentar uma situação específica. O tempo vai passando, a situação deixa de existir, mas a medida vai sendo renovada, até que as pessoas esquecem que ela deveria ser passageira. Vira o “novo normal”. Basta pensar na CPMF, provisória durante 10 anos: de solução para um problema, passou a fazer parte do problema.

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No Brasil a carga tributária equivale a mais de um terço do PIB, mas, como naquele comercial antigo de desodorante, sempre cabe mais um... imposto. Até porque cortar gastos é difícil em um país onde “no meu ninguém mexe” é uma cláusula pétrea. Isso vale, aliás, tanto para os mais necessitados quanto para as elites: é comum lobistas de setores contemplados com benefícios temporários manobrarem, junto ao Congresso, para que se tornem privilégios permanentes.

Somos o país do auxílio disso e daquilo: auxílio moradia, auxílio paletó, auxílio alimentação, auxílio transporte, diferentes formas de bolsas e subsídios. No cenário de recessão global prolongada e de recuperação lenta que se avizinha, será muito difícil desfazer qualquer coisa que for feita agora. Nesta semana mesmo, uma entidade já propôs a prorrogação, por mais seis meses, do auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais, que mal começou.

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Ironicamente, para desespero da esquerda e incômodo dos liberais, do jeito que as coisas caminham Bolsonaro, depois de implementar o décimo-terceiro do Bolsa Família, pode entrar para a posteridade como o presidente que instituiu o mais amplo programa de Renda Básica da História deste país. O que surpreenderá a todos, menos àqueles que leram seu Plano de Governo. Na página 63 do documento protocolado no TSE em 14/08/2018 está registrada, com todas as letras, a proposta de garantir “a cada brasileiro” uma renda igual ou superior ao que era pago pelo Bolsa Família: “Pretendemos instituir uma renda mínima para todas as famílias brasileiras”.

É claro que, se implementada, essa medida vai virar gasto compulsório permanente para o Estado (e, consequentemente, para os pagadores de impostos). Ano após ano, essa despesa só irá aumentar, independente do desempenho da economia e do rombo no orçamento. É questão de tempo para se tornar inviável arcar com mais esse programa, uma vez que mexer em “direitos garantidos” é tabu: basta pensar no longo debate travado sobre a Reforma da Previdência. Como dinheiro não dá em árvore, a solução será aumentar periodicamente os impostos. As pessoas se acostumam.

O que Milton Friedman defendia?

No final do meu artigo "De volta ao debate, Renda Básica Universal pode gerar exército de encostados" (10/04), escrevi que voltaria ao tema. Pois bem, novas e assustadoras projeções, divulgadas esta semana, sobre o tamanho da recessão global (e da recessão no Brasil, em particular) tornam ainda mais atual e urgente a discussão sobre políticas de combate à pobreza e à desigualdade de renda. E um nome crescentemente citado nesse debate é o do economista liberal Milton Friedman, que defendeu, no começo dos anos 60, a adoção do Imposto de Renda Negativo (IRN) nos Estados Unidos.

É preciso esclarecer que Renda Básica Universal é diferente de Imposto de Renda Negativo (que na verdade foi concebido pela política britânica Juliet Rhys-Williams, nos anos 40, e não por Friedman): o IRN é pago somente a indivíduos com renda muito baixa, enquanto a RBU é, obviamente, universal. Mas alguns argumentos de Friedman a favor do IRN podem ser estendidos à RBU – são argumentos bem mais sensatos, em todo caso, que aqueles da esquerda, focados, como sempre, em uma sociedade “mais igualitária”.

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A ideia de Friedman, esmiuçada no livro “Capitalismo e sociedade” (1962), era assegurar aos mais pobres condições mínimas de inserção no sistema capitalista, como consumidores e cidadãos responsáveis, em vez de depender de serviços e programas assistencialistas ineficazes e caros para o Estado. Ou seja, ele defendia o IRN como uma alternativa menos nociva à miríade de programas de proteção social que transformam os pobres em eternos cidadãos de segunda classe, não como um programa a mais.

Além de aliviar o Estado da gestão de uma estrutura burocrática pesada e potencialmente corrupta, o IRN funcionaria como uma ferramenta de responsabilização dos indivíduos beneficiados, que passariam a gerir essa renda da forma que julgassem mais adequada. A premissa implícita é que o dinheiro público aportado em programas sociais seria mais bem gasto se a população carente tivesse a liberdade de escolher onde gastá-lo. Dito de outra maneira, "ninguém sabe usar melhor o seu dinheiro do que o próprio indivíduo”.

Tenho minhas dúvidas. Pelo menos no Brasil, o que vejo cada vez mais é gente com zero educação financeira e zero senso de prioridade. Pessoas com o aluguel atrasado, sem plano de saúde, afogadas em dívidas, mas que, se cair um dinheiro extra na conta, a primeira coisa que farão será dar entrada em um Iphone 11, parcelado em 36 vezes, para ostentar nas redes sociais (a obsessão dos brasileiros por Iphone é um caso a ser estudado).

Voltando à Renda Básica Universal: é importante lembrar que, se implementada em sua forma pura, ela contemplaria não somente aqueles que procuram emprego, mas não encontram (que é, aliás, a definição formal de desemprego), o que é defensável; mas também aqueles que estão desocupados por opção ou preguiça, aqueles que podem, mas não querem, trabalhar. No popular: os vagabundos, que aliás existem em todas as classes. Desconfio que estes, que já não precisam de incentivo para não pegar no batente, só fariam aumentar, sobrecarregando ainda mais a carga tributária de quem trabalha e produz. O fato é que, pelo menos no Brasil, ninguém jamais se tornou mais responsável por ganhar dinheiro sem fazer nada: a tendência é acontecer o oposto. Ora, quem sou eu para contestar uma ideia análoga à da RBU, que foi defendida por Milton Friedman... Bem, não sou só eu. Nos anos 70, uma proposta de criação de Imposto de Renda Negativo, apresentada ao Congresso americano pelo presidente Richard Nixon, foi previsivelmente rejeitada: um dos fundamentos do capitalismo na América é a premissa de que um indivíduo tem que merecer o dinheiro que ganha. Mas é importante enfatizar que foi com um viés anti-assistencialista, e não puramente distributivo, que Friedman defendeu o IRN. Ainda voltarei ao tema.