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Segundo foi noticiado esta semana em diversos veículos de comunicação, os pais de alunos de uma escola tradicional de elite, localizada em um bairro nobre do Rio de Janeiro, foram surpreendidos pela circular reproduzida abaixo. É um texto que merece ser analisado com algum detalhamento.

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A primeira constatação óbvia é que língua portuguesa está sob ataque, e não é de hoje. Está em curso um deliberado e persistente trabalho de erosão do significado das palavras e da própria estrutura do idioma, com a chamada norma culta sendo desqualificada e substituída pela complacência em relação a erros crassos de gramática e sintaxe.

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Falar o português correto virou sinônimo de elitismo autoritário e preconceito contra os pobres que não tiveram oportunidade de receber educação de qualidade. A proposta não é melhorar e universalizar a educação básica, de forma a garantir oportunidades para todos, mas baixar o nível de toda a educação, para que todos se sintam igualmente incapazes e felizes – o que está diretamente relacionado com a farsa (e a tragédia) da aprovação automática.

O que a circular enviada aos pais pela direção do colégio (de elite, repito) demonstra é que a destruição do idioma se transformou em mais uma bandeira do campo autodenominado progressista que domina as instituições de ensino (vale lembrar que a escola é um dos “aparelhos ideológicos de Estado” descritos pelo pensador marxista Louis Althusser).

O problema dessa patifaria ideológica é que, quando vendem para crianças e jovens a ideia de que conhecer as regras da própria língua não tem a menor importância, estão condenando essas crianças e jovens a uma existência limitada e medíocre.

Sem o domínio do idioma adquirido em seus anos de formação, um indivíduo adulto é incapaz de representar simbolicamente o mundo de forma adequada, bem como de refletir criticamente sobre a realidade que o cerca. Que emprego decente um jovem adulto conseguirá se não souber conjugar os verbos corretamente, se ignorar a função dos pronomes e conjunções e não tiver um vocabulário minimamente adequado para se comunicar de forma eficiente?

Evidentemente, a destruição da língua não é o objetivo final desse plano orwelliano de implantação de uma “novilíngua”, mas apenas ferramenta de um experimento social cujas consequências esses estudantes só irão perceber lá na frente.

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Mas nos limitemos aqui a analisar o texto da circular:

O absurdo da proposta já fica patente no cabeçalho da cartinha fofa endereçada aos pais. Se a proposta é neutralizar os gêneros da língua portuguesa, a primeira medida a ser tomada pelo colégio deveria ser trocar seu nome para “Colégie Franque-Brasileire”, como já observou Guilherme Fiúza. Levada às últimas consequências, essa prática destruiria a língua portuguesa a ponto de tornar impossível qualquer comunicação. Como se estivessem falando em “língua do pê”, as pessoas perderiam metade do tempo tentando decodificar o que seu interlocutor está querendo dizer.

Mais grave é a contradição da qual os redatores da circular parecem (ou fingem) não se dar conta: o texto fala em “promoção do respeito à diversidade” e “valorização das diferenças no ambiente escolar”. Mas o que estão propondo é exatamente o oposto, uma vez que as “estratégias gramaticais de neutralização de gênero” começam por eliminar e empobrecer a diversidade da língua portuguesa, criando um gênero único que torna todos os indivíduos homogêneos e indiferenciados (ou “todes es indivídues indiferenciades”?).

Além de empobrecer a língua, a estratégia é apagar, na cabeça dos alunos, a consciência de suas distinções mais essenciais, a percepção daquilo que os torna diferentes uns dos outros como indivíduos, por serem traços estruturantes de suas identidades.

É, por assim dizer, um aquecimento linguístico para a implantação definitiva nas salas de aula da ideologia de gênero. Falsamente vendida, para enganar os inocentes úteis, como ferramenta de combate ao preconceito, a ideologia de gênero basicamente afirma que os gêneros são uma construção social, e que por isso deve ser permitido (ou mesmo estimulado) aos adolescentes experimentar de tudo antes de decidir qual orientação sexual vão escolher.

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(Ora, tudo é construção social. Uma sociedade sem gêneros também será uma construção social, porque nenhum fenômeno social escapa da influência do contexto histórico e cultural em que acontece. Nem por isso decorre daí que fatos biológicos, como a divisão binária dos sexos, podem ser alterados por decreto).

O texto fala em “demandas legítimas da sociedade”. Desde quando a sociedade brasileira se mobilizou para eliminar o masculino e o feminino do idioma?

Atenção! Por óbvio, todo e qualquer preconceito baseado em orientação de gênero deve ser repudiado: pessoas adultas têm o direito de fazerem suas escolhas, desde que de forma responsável e sem prejudicar ninguém. É inadmissível que indivíduos sejam desrespeitados por sua orientação sexual. Mas tolerância se ensina com diálogo e exemplo, não por meio do estupro e assassinato da língua portuguesa. Combate ao preconceito não tem nada a ver com incutir em sala de aula na cabeça das crianças a ideia de que elas são “menines indiferenciades”, com todas as consequências psicológicas e emocionais que isso poderá implicar em seu desenvolvimento e socialização no futuro.

Voltando à circular, vêm então as justificativas: o “enfrentamento do machismo e do sexismo no discurso” e a “inclusão de pessoas não identificadas com o sistema binário de gênero”. A nobreza das bandeiras mal camufla o ridículo e o absurdo da solução proposta. Pressupor que passar a chamar alunos e alunas de “alunes” (ou, pior ainda, de “alunXs”) irá eliminar o machismo e o sexismo da sociedade equivale a acreditar que suprimir a palavra “corrupção” do dicionário tornaria todos honestos, ou que proibir a palavra “miséria” erradicaria magicamente a pobreza.

A circular prossegue adotando uma premissa falsa. “Acolhemos (...) demandas legítimas da sociedade”. De que sociedade se está falando? Desde quando a “sociedade” se mobilizou para eliminar o masculino e o feminino do idioma? Desde quando grupos minoritários representam “a sociedade”, a ponto de um colégio de elite se sentir obrigado a estuprar a língua portuguesa?

Ou alguém acredita que a maioria dos brasileiros defende a neutralização dos gêneros no idioma? Trago uma má notícia para a direção do colégio de elite: o Brasil real, o Brasil das comunidades, o Brasil dos lares e famílias de classe média, de pessoas que trabalham para pagar suas contas (incluindo as mensalidades caríssimas das escolas dos filhos) considera essa proposta apenas ridícula.

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O texto continua: “A língua é um organismo vivo e pulsante, suscetível a mudanças históricas”. Ora, isso é óbvio. O que os autores da circular não entendem (ou fingem não entender) é que essas mudanças sempre vieram “de baixo para cima”: é a sociedade (não autoridades do governo, nem grupelhos ideológicos, nem muito menos a diretoria das escolas de elite) quem determina, e isso ao longo de processos que duram gerações, as transformações do idioma.

O que ocorre hoje é muito diferente: é a tentativa de decretar mudanças bruscas na marra, por parte de uma minoria de intelectuais e acadêmicos politicamente motivados e movidos por uma agenda ideológica obscura e alheia aos reais valores e interesses dos brasileiros comuns. Estes, aliás, estão preocupados com problemas mais sérios que a invenção autoritária de pronomes neutros – pauta que só interessa ao campo lacrador-progressista de esquerda.

Originalmente chamado Lycée Français, o Colégio Franco-Brasileiro foi fundado em 1915. É uma escola cara, com mensalidade por volta de R$ 3 mil ou mais, dependendo da série, ou seja, é destinada basicamente a crianças e jovens de elite. Crianças e jovens que estão sendo submetidos, em uma fase crítica de sua formação como indivíduos e cidadãos, a um experimento social que afetará suas vidas inteiras. Quando, lá na frente, eles perceberem que lacração não paga boleto nem qualifica profissionalmente, seus professores de mimimi estarão longe. É uma covardia.

É revelador e sintomático que seja um colégio de elite o primeiro a adotar oficialmente a pedagogia da lacração. Mas a consequência de medidas como essa será apenas o distanciamento ainda maior entre a elite progressista da escola com partido e o Brasil real, que aliás elegeu um governo conservador, em parte, como resposta indignada aos ataques da esquerda a instituições como a família e a Igreja, como reação à persistente tentativa de destruir valores de fazer das salas de aula um laboratório de lavagem cerebral da nossa juventude. Continuem fazendo isso e irão reeleger Bolsonaro no primeiro turno.