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O alçapão em que o “salvador” nos atira
| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

Tadinhos de nós, tão bobinhos, tão ingênuos, tão perdidos, tão desprotegidos... Até que um salvador se apresenta. Só ele mesmo para nos livrar de tantas mentiras, de tanto ódio, da desunião, do desentendimento, das maiores agruras desta vida. Só ele mesmo para nos dizer no que devemos acreditar, em quem podemos confiar. Nele, apenas nele, na sua aliança, apenas no que ele nos indica como correto, como a mais pura verdade.

Estávamos tão abandonados, expostos a nazistas, fascistas, negacionistas, genocidas, aos piores criminosos. Já não víamos saída, já não víamos nada, só escuridão. E veio, enfim, a luz. Nosso salvador nos pegou pela mão. De que nos serve opinião que não seja a dele? De que nos vale viver sem sua proteção, sem um tutor tão bem-intencionado, tão compreensivo, conhecedor de todas as coisas? Nada. Sem ele, não há nada, só sofrimento, só desgraça.

Não cabem em palavras os agradecimentos que lhe devemos. Ele nos salvou da ditadura, do autoritarismo, da injustiça. Ele nos consertou, e, conduzido por ele, ninguém mais falhará, ninguém ficará perdido, ninguém terá a mínima chance de errar, de cometer nem mesmo um deslize, um pequeno equívoco. Só ele nos entregará o mundo perfeito.

Sua tirania não é tirania, pois é do bem. A censura que impõe é cuidado de pai, de mãe... Tudo o que ele faz é para nos oferecer um país irretocável. Seu ódio foi santificado e promove milagres

Qualquer problema eventual, e ele tem os corretivos, o poder de persuasão, de convencimento. Criticá-lo é imperdoável. Qualquer crítica a ele é uma agressão, uma insanidade. Ele só persegue quem merece ser perseguido, ele só humilha quem merece ser humilhado. Ele só destrói quem merece ser destruído. Quando manda prender e manda soltar, ele está sempre certo. Ele tem sempre razão.

Não há pena imposta por ele que não deva ser cumprida, para o estabelecimento de tudo, tudo de bom. Ele é a palavra, ele é a verdade, a justiça. Nada do que faz é questionável. Seus atos são sempre necessários, na medida certa, não têm malícia. Um eventual exagero sempre envolve dons divinos. Ele é sempre sincero, não consegue ser de outro jeito.

Só ele sabe o que é liberdade, principalmente isso. Sua tirania não é tirania, pois é do bem. A censura que impõe é cuidado de pai, de mãe... Tudo o que ele faz é para nos oferecer um país irretocável. Seu ódio foi santificado e promove milagres. Seu extremismo é redentor, tem a ver com harmonia e felicidade extremas. Seu poder é pacificador. Faça-se a sua vontade. Devemos a ele gratidão eterna.

Somos abraçados por ele, o salvador, e nossa voz será sua voz. Nossos pensamentos serão seus pensamentos. Seremos um reflexo dele, de suas virtudes infinitas. Para o nosso bem, suas ideias nos dominarão eternamente. Tudo será maravilhoso. Suas leis serão para sempre nossas leis. O que vale e o que não vale ele nos indicará, na sua bondade infinita. Nosso horizonte é ele. Nosso destino é ele, ele, ele.

A maioria dos brasileiros sabe de quem estou falando e entende que esse texto nada mais é do que uma peça de ficção. Nessas paragens terrenas, o “salvador” é canastrão, apelativo, ridículo. Não é soberano, é selvagem, bárbaro. A ele devemos o contrário de respeito, devoção e gratidão. Do que precisamos realmente? Da união dos bons de verdade, de sua força despertada e empreendida, ou os que estão em menor número permitirão este alçapão aberto em que desaba o país inteiro.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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