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A Festa da Liberdade e da Vida – por Ed René Kivitz
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A festa de Pêssach, ou Páscoa, é celebrada anualmente durante oito dias no início da primavera em Israel, no mês hebraico de Nissan. Celebra a libertação do povo judeu da escravidão no Egito.

Mas é bom lembrar o que nos disse Martin Luther King: “É um fato histórico que os grupos privilegiados dificilmente abrem mão de seus privilégios de maneira voluntária. Graças a uma dolorosa experiência, sabemos que a liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor; deve ser exigida pelo oprimido”. Assim também foi a história dos filhos de Israel no Egito. Moisés levou ao Faraó uma reivindicação justa da parte de Deus: “Israel é o meu primeiro filho, deixe o meu filho ir para prestar-me culto. Assim diz o Senhor”.

Mediante a recusa do Faraó, Deus age com braço forte para promover a libertação do seu povo, enviando dez pragas contra o Egito. A última praga é a morte dos primogênitos: “Naquela mesma noite passarei pelo Egito e matarei todos os primogênitos, tanto dos homens como dos animais, e executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor!”.

Foi nesse contexto que Deus estabeleceu a Páscoa judaica: “O Senhor disse a Moisés e a Arão, no Egito: 'Este deverá ser o primeiro mês do ano para vocês. Digam a toda a comunidade de Israel que no décimo dia deste mês todo homem deverá separar um cordeiro ou um cabrito, para a sua família, um para cada casa. Guardem-no até o décimo quarto dia do mês, quando toda a comunidade de Israel irá sacrificá-lo, ao pôr-do-sol. Passem, então, um pouco do sangue nas laterais e nas vigas superiores das portas das casas nas quais vocês comerão o animal. Naquela mesma noite comerão a carne assada no fogo, com ervas amargas e pão sem fermento. Ao comerem, estejam prontos para sair: cinto no lugar, sandálias nos pés e cajado na mão. Comam apressadamente. Esta é a Páscoa do Senhor […] Naquela mesma noite passarei pelo Egito e matarei todos os primogênitos, tanto dos homens como dos animais, e executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor! O sangue será um sinal para indicar as casas em que vocês estiverem; quando eu vir o sangue, passarei adiante. A praga de destruição não os atingirá quando eu ferir o Egito. […] Este dia será um memorial que vocês e todos os seus descendentes celebrarão como festa ao Senhor. Celebrem-no como decreto perpétuo. Celebrem a festa dos pães sem fermento, porque foi nesse mesmo dia que eu tirei os exércitos de vocês do Egito. Celebrem esse dia como decreto perpétuo por todas as suas gerações'”.

Passados dois mil anos, tendo os judeus celebrado anualmente a festa da Páscoa, Jesus de Nazaré pisa o solo da terra prometida, agora ocupada por outra potência: Roma. Quando João Batista se encontra com Jesus pela primeira vez, aponta em sua direção e faz uma declaração solene: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.

Futuramente, Paulo, apóstolo, vai se referir à morte de Jesus afirmando que “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado”. Foi, portanto, na qualidade de cordeiro de Deus, agnus Dei, que Jesus, enquanto celebrava a Páscoa com seus discípulos, deu a ela outra dimensão e outro significado: “Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o, e o deu aos seus discípulos, dizendo: 'Tomem e comam; isto é o meu corpo'. Em seguida tomou o cálice, deu graças e o ofereceu aos discípulos, dizendo: 'Bebam dele todos vocês. Isto é o meu sangue da aliança que é derramado em favor de muitos, para perdão de pecados. Eu lhes digo que, de agora em diante, não beberei deste fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo com vocês no Reino de meu Pai"'. Assim nasceu a Páscoa de Jesus.

As relações entre a Páscoa judaica e a Páscoa de Jesus são explícitas. O sangue dos animais, os cordeiros da Páscoa judaica, aponta para o sangue de Jesus, “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. A libertação política dos judeus – do império egípcio, refere a libertação espiritual integral da raça humana, do império das trevas e da morte. A libertação da escravidão que visa a constituição de um estado nação para habitar uma terra – Canaã – de plena prosperidade – shalom, ilumina a realidade eterna do reino de Deus, onde há fartura de tudo para todos, pois se a Páscoa dos judeus celebra a aliança de Deus com um povo, Israel, seu primeiro filho, na Páscoa de Jesus, seu Filho Unigênito, Deus estende sua benção sobre toda a humanidade. Nas palavras de Dom Luis Soares Oliveira, Arcebispo Emérito de Manaus, “se a Páscoa de Israel foi a libertação de escravos políticos e econômicos para transformá-los em pessoas livres, aliados de Deus e possuidores de esperanças, a Páscoa de Jesus é a libertação de todas as escravidões, a elevação de homens e mulheres à dignidade de filhos e filhas do pai celeste e herdeiros da vida eterna”.

A Páscoa de Jesus, entretanto, não é apenas a celebração da “morte do cordeiro de Deus”, e não se esgota na chamada sexta-feira da paixão. A Páscoa de Jesus é também e principalmente a celebração da ressurreição raiar do domingo. Ao ressuscitar e arrebentar o selo romano do túmulo onde haviam colocado seu corpo, Jesus inaugura uma era de vitória não apenas sobre a morte, como também sobre todos os promotores e mantenedores da morte. A Páscoa de Jesus é a festa da liberdade e da vida. Ou da vida e da liberdade. Tanto faz, porque uma exige a outra. O mesmo Jesus, o Filho de Deus que disse “Eu vim para que tenham vida”, também prometeu: “Vocês conhecerão a verdade, e a verdade os libertará. O escravo não tem lugar permanente na família, mas o filho pertence a ela para sempre. Portanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres”.

Ed René Kivitz é teólogo, mestre em Ciências da Religião e pastor da Igreja Batista de Água Branca.

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