Very angry woman| Foto:
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Convencionou-se chamar de "feminismo" o movimento identitário que, a partir de meados de 2010, principalmente via internet e redes sociais, tenta uniformizar comportamentos femininos e cancelar as mulheres que não obedecem. Concorde-se ou não com as três "ondas" do feminismo antes desse período, elas tinham foco na promoção dos direitos das mulheres e abrigavam personalidades com métodos e pensamentos tão diversos como Simone de Beauvoir, Gloria Steinem, Camille Paglia e Dolly Parton. Vamos aqui das mais libertárias e radicais àquelas tradicionais mulheres de família cristãs, com o objetivo de defender o que entendiam ser direitos das mulheres.

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A portaria 2282/2020, editada pelo Ministério da Saúde a pedido da Defensoria Pública da União, deixa claro que estamos usando a palavra "feminismo" para classificar movimentos políticos fundados no capricho, autoritarismo e negação da realidade. Qual o raciocínio? Se Bolsonaro estabelece novas regras para aborto legal, precisamos xingar. Simples assim, pouco importa o interesse das mulheres. E esses grupos, apesar de intitulados "feministas", agirão de forma misógina e estridente para "cancelar" e taxar de bolsomínion qualquer mulher que os questione ou apresente dados reais sobre a medida.

Muita gente sabe minha opinião pessoal sobre o presidente Jair Bolsonaro, principalmente ele, a quem disse com clareza o que penso. Aliás, seria maravilhoso se nossos valentes de teclado fizessem o mesmo diante de autoridades em vez de calar e abaixar a cabeça. Exatamente porque sei o que penso do mandatário redobro o cuidado ao avaliar cada medida do governo dele, para não contaminar a realidade objetiva com a vontade de que a realidade confirme sensações. Nas novas regras do aborto legal, a estridência dos protestos mostra que pouco importa o que mude na vida de mulheres e meninas vítimas de estupro, para muita gente o importante é xingar Bolsonaro.

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Isso fica ainda mais claro com as reações à apresentação do Projeto de Lei 582/2020 pela deputada Janaína Paschoal na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele regulamenta a informação à polícia sobre o estupro, a coleta de material genético para identificação do estuprador e salienta que, caso as autoridades não consigam comprovar o estupro, isso não poderá ser utilizado contra a vítima. A não-condenação pode decorrer de inúmeros fatores, como coleta inadequada de provas, desistência de testemunhas ou problemas na condução do processo e são inúmeros os casos famosos de estupros testemunhados por várias pessoas que ficam sem punição.

"Quem tem experiência na área penal sabe bem que os crimes sexuais são difíceis de serem provados. Não raras vezes, o fato ocorre em ambiente sem testemunhas. Infelizmente, com frequência, a vítima é acusada pelo agressor. Nesse contexto, não seria justo deixar de prever que o fato de, posteriormente, faltarem provas da ocorrência do crime ou da autoria não implicará responsabilização automática da mulher. Por óbvio, em se caracterizando inequívoca má-fé na comunicação do estupro, a legislação penal já tem o caminho a ser trilhado", diz a deputada Janaína Paschoal na justificativa do projeto.

Você deve ter cansado de ver por aí que a portaria com novas regras para aborto legal é uma ideia do governo Bolsonaro ou até da ministra Damares. Não é o que está nos documentos. Numa entrevista à Gazeta do Povo, o secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, explicou que se trata de um trabalho complexo, iniciado há alguns anos a pedido da Defensoria Pública da União. A portaria antiga, de 2005, ficou defasada legalmente. A mulher não é obrigada a fazer boletim de ocorrência do estupro - e continua não sendo - mas desde 2018 qualquer pessoa que saiba da ocorrência de violência contra a mulher tem obrigação de comunicar às autoridades.

Até a nova portaria do Ministério da Saúde, a situação real de atendimento a mulheres e meninas vítimas de violência em hospitais era a seguinte: obrigatório comunicar à polícia uma lesão corporal leve e calar diante de um estupro. Não faz o menor sentido e custa a entender por que têm a desfaçatez de se dizerem "feministas" as figuras que defendem a manutenção desse estado de coisas.

Uma situação decorrente dessa distorção é o estupro continuado de crianças e adolescentes por conhecidos e membros da família, conforme apontou a própria Defensoria Pública da União. Hoje, mais da metade das vítimas de violência sexual no Brasil são menores de 14 anos e 40% dos autores de crimes sexuais são pais ou padrastos das vítimas e 73% dos estupros de crianças e adolescentes acontecem dentro de casa. Qual a consequência prática? Garantia de imunidade para o estuprador e de possibilidade de continuar com o crime.

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Há inúmeros casos em que o próprio estuprador é quem leva a vítima à rede de saúde em busca de um aborto e, como responsável por ela, tinha a possibilidade legal de assinar o termo de autorização para o procedimento. Fazia tudo isso com a certeza de que a equipe médica não poderia denunciar o crime e, portanto, não haveria investigação. Esse sistema, defendido por grupos pseudo-feministas nas últimas semanas, serve para garantir impunidade e continuidade do crime a estupradores.

Grupos pseudo-feministas defendem agora que comunicar ou não o crime é questão de autonomia da mulher. Estão querendo revogar a Lei Maria da Penha ou a Maria da Penha é a mais nova misógina?

"Mais do que preservar vidas de bebês concebidos em circunstâncias em que a legislação não permite o aborto, este projeto de lei favorece a mulher que realmente foi vítima, na medida em que retira dela o ônus de tomar a iniciativa para que seu agressor seja investigado, processado e punido. Não resta compreensível, por conseguinte, a objeção de grupos que se apresentam como defensores dos direitos das mulheres. Aliás, desde logo, aponta-se a incongruência, pois esses mesmos grupos aplaudiram a Lei Maria da Penha, cuja interpretação, crescentemente, retirou da mulher a autonomia de deliberar sobre seu parceiro ser investigado, processado e punido por violência doméstica", argumenta a deputada Janaína Paschoal.

Há ainda um outro ponto que foi discutido com paixão nas redes sociais exclusivamente por quem não é do ramo: a coleta de DNA com finalidade de identificar estupradores. Estabelecido tanto na portaria do Ministério da Saúde quanto no projeto da deputada estadual paulista, não se trata de novidade nem de ficção científica, mas de algo que já é cotidiano na rotina de diversas instituições de excelência no atendimento a vítimas de violência sexual, como o hospital Pérola Byington, em São Paulo.

A mudança agora é que passa a haver uma metodologia para compartilhar essas evidências com autoridades policiais, o que pode ajudar em ainda mais casos. Vários casos de estupradores em série, como o "maníaco do Ibirapuera", em São Paulo, foram resolvidos graças aos avanços científicos e esse tipo de protocolo. Nunca é demais lembrar que a "amostra de material genético" coletada pelos médicos é, na maioria das vezes, invisível a olho nu. A medida acompanha uma discussão que se estende por anos no Congresso Nacional e também teve desfecho este mês no Senado, a criação do Cadastro de Condenados por Crime de Estupro, algo que já é tecnicamente viável em todo o país.

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Tanto a lei proposta pela deputada quanto a portaria do Ministério da Saúde têm o condão de desagradar gregos e troianos. É vista como insuficiente pela militância pró-vida e excessiva para militância pró-aborto. Aposto que a regulamentação contraria as crenças individuais de muitos dos que participaram da elaboração tanto do projeto quanto da portaria. Fazer política e viver em sociedade é assim, a arte do possível, o avesso da jihad de gritaria que vemos em parte da militância, do jornalismo e nas redes sociais.

Aborto não é uma questão técnica apenas, envolve valores pessoais, morais, fé e experiências individuais. Impossível ter consenso. É uma pena que, ao analisar regras reivindicadas pela Defensoria Pública da União e realizadas pelo Ministério da Saúde, nossas pseudo-feministas fechem os olhos para as mulheres e só enxerguem Jair Bolsonaro. Felizmente, temos no país servidores públicos sérios e capazes, que fazem seu trabalho levando em conta leis e interesse público, mesmo quando precisam contrariar convicções pessoais e apanhar injustamente da militância lacradora.