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O presidente da CNBB, dom Jaime Spengler (à direita) e o secretário-geral da conferência, dom Ricardo Hoepers (à esquerda), em foto de 19 de setembro de 2023.
O presidente da CNBB, dom Jaime Spengler (à direita) e o secretário-geral da conferência, dom Ricardo Hoepers (à esquerda).| Foto: CNBB/Flickr

Como eu imaginei, logo a ADPF 442 estará na pauta do Supremo. No último dia 12, a ação que pretende legalizar o aborto no Brasil até a 12.ª semana de gestação foi liberada para julgamento pela relatora, Rosa Weber, que também é presidente do STF. Como ela se aposenta daqui a alguns dias, impossível que ela não quisesse iniciar logo o julgamento, para poder dar seu voto certo a favor do genocídio de pequenos seres humanos indefesos e inocentes. Felizmente, desde que a notícia da liberação da ADPF para julgamento veio a público, o episcopado brasileiro tem reagido de uma forma que vem dando gosto de ver.

Primeiro, a nota da cúpula da CNBB, que, além de reafirmar o valor da vida desde o momento da concepção, denuncia o absurdo de se usar a via judiciária para resolver uma questão que cabe unicamente ao Poder Legislativo. A CNBB chamou a ação de “pauta antidemocrática”, porque é exatamente isso: um partido político nanico, incapaz de convencer o eleitor a endossar suas plataformas, resultando em uma bancada minúscula, deixa de lado a arena legislativa e quer vencer no tapetão. Além disso, a CNBB ainda publicou um vídeo em que seu assessor jurídico aponta vários erros da ADPF:

Bispos em todo o Brasil também já se manifestaram pelos mais diversos meios. O cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, tem usado bastante o X (ex-Twitter) a esse respeito.

Dom José Antonio Peruzzo, arcebispo daqui de Curitiba, usou o Instagram, e, no Rio Grande do Sul, dom Antônio Carlos Rossi Keller, bispo de Frederico Westphalen, publicou uma excelente Nota Pastoral.

Trago aqui apenas três exemplos, mas temos bispos no país inteiro fazendo o mesmo. Sem falar nos sacerdotes e leigos católicos com enorme audiência na internet, e que também estão fazendo a sua parte. Como a data exata para início do julgamento ainda não foi divulgada, ao menos até esta tarde de terça-feira, ainda há tempo para a CNBB e os bispos adotarem uma série de outras iniciativas. Eu sugeriria retomar imediatamente as orações nas missas, seguindo a sugestão que a CNBB fizera para o segundo domingo de agosto. Durante a semana não temos a oração dos fiéis, mas a Oração do Nascituro cabe perfeitamente antes da bênção final; aos domingos, quando o rito prevê a oração dos fiéis, que também seja incluída a prece:

“Está tramitando no STF – Supremo Tribunal Federal a ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que tem como objetivo descriminalizar quem provoca ou consente com o aborto. Os deputados, representantes do povo, disseram não ao aborto, porém há uma força muito forte para que o STF paute este assunto para descriminalizar o aborto. Rezemos por aqueles que têm a missão de promover e defender a vida, para que não se deixem intimidar pelo poder da morte e por ideologias de exploração dos mais vulneráveis. V: Rezemos ao senhor.”

Ainda há tempo para a CNBB e os bispos adotarem uma série de outras iniciativas antes que comece o julgamento da ADPF 442

Dá para os bispos fazerem mais que isso? Como já afirmei outro dia, tenho certeza de que a CNBB está realizando intenso trabalho de bastidores. Mas eu não descartaria um uso educativo das penas canônicas. O bispo de Caruaru (PE), dom José Ruy Gonçalves Lopes, pediu explicitamente aos padres de sua diocese que não deem a comunhão a abortistas, e tem toda a razão, pois é exatamente o que está previsto no cânone 915 do Código de Direito Canônico: “Não sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto” – a defesa do aborto se encaixa direitinho no conceito de “pecado grave manifesto”. Se alguém tiver dúvida, vejam o que o então cardeal Joseph Ratzinger escreveu aos bispos norte-americanos em 2000, a respeito de políticos abortistas:

“Quando a cooperação formal de uma pessoa se torna evidente (entenda-se, no caso de um político católico, sua consistente defesa e votos em favor de leis permissivas sobre aborto e eutanásia), seu Pastor deve procurá-lo, instruí-lo sobre o ensinamento da Igreja, informá-lo de que ele não deve se apresentar para receber a Sagrada Comunhão até que encerre essa situação objetiva de pecado, e avisá-lo de que ele terá negada a Eucaristia. ‘Quando, porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito (...), o ministro da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la’”.

Mais que isso, acho que só a excomunhão. Quem age diretamente em um aborto (gestante, médicos etc.) está excomungado automaticamente (cânone 1.398); não é nem mesmo necessário que o bispo local faça algum tipo de declaração, embora alguns, como dom José Cardoso Sobrinho, tivessem esse hábito para reforçar que havia uma pena canônica prevista para o aborto. Eu tenho minhas dúvidas quanto à excomunhão automática de um político ou juiz que votasse, no parlamento ou no tribunal, pela legalização do aborto ou pelo aumento das circunstâncias em que ele seria legal, mas absolutamente nada impede que neste caso ocorra a excomunhão ferendae sententiae, aquela que não é automática, mas ocorre por decisão da autoridade eclesiástica. Obviamente, neste caso uma ação estaria limitada aos ministros do STF que se declaram católicos – até onde se sabe, é o caso de Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Nunes Marques (que também é maçom) e Cristiano Zanin.

Antes de terminar, quero lembrar que muito cruzadinho de internet já se apressou a dizer algo como “é, mas bispo Fulano fez o L, não fez?” ou coisa parecida. Sim, provavelmente ao menos alguns bispos que agora estão defendendo enfaticamente a vida deram seu apoio, explícito ou implícito, à eleição deste governo, que já tomou uma série de ações em favor do aborto, por exemplo no âmbito do Ministério da Saúde, com a revogação de uma boa Norma Técnica elaborada no governo anterior, ou no âmbito das relações exteriores, ao retirar o Brasil do Consenso de Genebra (ambas as atitudes, aliás, foram criticadas pela CNBB). Rezo para que um dia esses bispos se deem conta da colaboração que deram para a ascensão de um governo iníquo. Mas agora eles estão cobertos de razão. Guarde a crítica – que sempre tem de ser respeitosa – para depois; este é o momento de cerrar fileiras em torno dos nossos pastores.

Coluna dá uma pausa; voltamos em 3 de outubro

O colunista estará fora por uma semana, participando do XI Congresso Latino-Americano de Ciência e Religião na Argentina, para falar de minha outra coluna aqui na Gazeta, sobre ciência e fé, e sobre meu livro de entrevistas lançado meses atrás. Por isso não teremos a coluna do dia 26, mas estaremos de volta na terça-feira seguinte, 3 de outubro.

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