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Leopoldo Brenes, cardeal-arcebispo de Manágua, durante encerramento do Congresso Mariano Nacional: ditadura socialista proibiu procissão pelas ruas da capital da Nicarágua.
Leopoldo Brenes, cardeal-arcebispo de Manágua, durante encerramento do Congresso Mariano Nacional: ditadura socialista proibiu procissão pelas ruas da capital da Nicarágua.| Foto: Jorge Torres/EFE

E está mesmo, numa outra nação latino-americana, chamada Nicarágua. Por lá, o ditador Daniel Ortega resolveu aniquilar não apenas os opositores políticos (não é fácil conquistar a terceira reeleição seguida quando se manda prender todos os demais candidatos por “traição”?), mas qualquer um que ouse denunciar os desmandos do seu regime socialista. E isso inclui a Igreja Católica, contra a qual o sandinista declarou guerra aberta.

A perseguição já vem de tempos – ao menos desde 2018, quando falharam as tentativas de conciliação entre governo e oposição, mediadas pela Igreja –, mas recentemente ganhou episódios como a expulsão das Missionárias da Caridade (a ordem religiosa fundada pela Madre Teresa de Calcutá) e o fechamento de seis emissoras de rádio católicas. O bispo Rolando Álvarez está sendo mantido em cárcere privado, ao lado de outros sacerdotes e leigos: a cúria diocesana está cercada por policiais e milicianos, que impedem até mesmo a entrada de comida e água no prédio. Ontem, a diocese de Siuna denunciou o desaparecimento de um de seus padres, “levado em um camburão, com rumo desconhecido”, segundo o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos.

Bispos católicos têm a obrigação de denunciar violações da liberdade religiosa. “Ah, mas é lá na Nicarágua”... e quem pode ousar dizer que isso não tem nada a ver conosco, quando um dos maiores defensores da ditadura de Ortega quer se tornar presidente do Brasil?

A hostilidade de Ortega é tamanha que a procissão de encerramento do Congresso Mariano Nacional, prevista para ocorrer no sábado passado, foi proibida pelo governo por “motivos de segurança interna”. O arcebispo da capital Manágua, cardeal Leopoldo Brenes, abençoou nove imagens de Nossa Senhora de Fátima, uma para cada diocese do país, mas a ditadura também impediu a realização de uma cerimônia na diocese de Matagalpa – governada pelo bispo Álvarez – para receber a imagem.

O Vaticano já está se mexendo. O observador da Santa Sé na Organização dos Estados Americanos (OEA), monsenhor Juan Antonio Cruz, participou e discursou em uma sessão especial do Conselho Permanente do órgão, que aprovou uma resolução condenando a ditadura de Ortega pelo “fechamento forçado de organizações não governamentais, assim como o assédio e as restrições arbitrárias de organizações religiosas e das vozes críticas do governo e suas ações na Nicarágua”. Várias ONGs pediram ao papa Francisco que volte a se pronunciar sobre a perseguição religiosa na Nicarágua, como ele já fez em 2019 e 2020. Francisco também levou para Roma o bispo Silvio José Báez, vítima de uma tentativa de assassinato da parte de sandinistas, mas, apesar da transferência, o papa manteve Báez como bispo auxiliar de Manágua. Várias conferências episcopais já manifestaram sua solidariedade aos irmãos nicaraguenses.

Fui contar quantos bispos católicos assinaram a carta pela democracia da USP. Ao menos na sublista de “líderes religiosos”, encontrei 27: Adriano Ciocca Vasino (prelazia de São Félix-MT), Antônio Carlos Cruz Santos (Caicó-RN), Arnaldo Carvalheiro Neto (Jundiaí-SP), Dirceu de Oliveira Medeiros (Camaçari-BA), Edson Tasquetto Damian (São Gabriel da Cachoeira-AM), Evaristo Pascoal Spengler (prelazia de Marajó-PA), Francisco de Assis Gabriel dos Santos (Campo Maior-PI), Gilberto Pastana de Oliveira (São Luís-MA), Gorgônio Alves da Encarnação Neto (Itapetininga-SP), Hernaldo Pinto Farias (Bonfim-BA), Limacêdo Antônio da Silva (auxiliar de Olinda e Recife-PE), José Benedito Cardoso (auxiliar de São Paulo-SP), José Ionilton Lisboa de Oliveira (prelazia de Itacoatiara-AM), José Luiz Bertanha (emérito de Registro-SP), José Luiz Ferreira Salles (Pesqueira-PE), José Moreira da Silva (Januária-MG), Juarez Sousa da Silva (Parnaíba-PI), Lauro Sérgio Versiani Barbosa (Colatina-ES), Luiz Carlos Eccel (emérito de Caçador-SC), Luiz Fernando Lisboa (Cachoeiro do Itapemirim-ES), Manoel Ferreira dos Santos Junior (Registro-SP), Paulo Cardoso da Silva (emérito de Petrolina-PE), Pedro José Conti (Macapá-AP), Pedro Luiz Stringhini (Mogi das Cruzes-SP), Sílvio Guterres Dutra (Vacaria-RS), Vicente de Paula Ferreira (auxiliar de Belo Horizonte-MG) e Wilmar Santin (prelazia de Itaituba-PA).

Como a Gazeta do Povo afirmou em um editorial, há signatários que estão longe de serem oportunistas políticos; muitos brasileiros “estão genuinamente preocupados com a escalada de tensão entre os poderes, as afirmações sobre a possível falta de lisura do processo eleitoral e insinuações sobre um eventual desrespeito ao resultado das urnas em outubro, e veem em tudo isso potenciais riscos à estabilidade democrática do país. Sua inquietação com os rumos do país não pode ser menosprezada”. Mas, como também dissemos, há muito mais ataques à democracia que os mencionados na carta, e bispos católicos têm a obrigação de denunciar violações da liberdade religiosa. “Ah, mas é lá na Nicarágua”... e quem pode ousar dizer que isso não tem nada a ver conosco, quando um dos maiores defensores da ditadura de Ortega quer se tornar presidente do Brasil? Pois espero que essas dezenas de bispos brasileiros, e muitos outros, levantem a voz em defesa dos católicos nicaraguenses o quanto antes. Este é um daqueles casos em que silêncio é cumplicidade, e tudo de que não precisamos por aqui são “coroinhas de Lula”, nem “coroinhas de Ortega”.

CNBB manda telegr... carta aos bispos da Nicarágua

Na quarta-feira, dia 17, a CNBB tornou pública uma carta com data de 15 de agosto. Sinceramente, era melhor terem mantido escondida. São incríveis quatro linhas. Os redatores estão cobrando a CNBB por palavra, agora? Vai ver estava mais barato quando os bispos quiseram se manifestar sobre um projeto de lei a respeito de dívidas das igrejas (seis parágrafos). Ou sobre vazamento de óleo no Nordeste (quatro parágrafos). Ou sobre reforma da Previdência (dez parágrafos para falar bobagem, ainda por cima). Ou então esses assuntos são realmente mais merecedores da indignação dos bispos que “acontecimentos” como perseguição estatal pelas mãos de um ditador socialista amigão do Lula, prisão de bispos e padres, ou expulsão de freiras...

E o pior nem é a brevidade, é o fato de a carta não dizer quase nada. O que raios tem “marcado a vida da Igreja na Nicarágua”? O texto simplesmente não diz; os bispos nicaraguenses por certo sabem, mas o leitor brasileiro, que a CNBB achou por bem informar sobre a carta, não saberia nada sobre o terror a que os católicos estão sendo submetidos por lá apenas por essas quatro linhas – menos mal que a breve reportagem que acompanha a carta no site da CNBB descreva a perseguição, embora sem dar detalhes sobre a orientação ideológica de Daniel Ortega. Agora, imagine: se fosse para tratar de qualquer coisa envolvendo um outro presidente latino-americano, o tom teria sido muito mais enfático, as coisas seriam chamadas pelo nome que têm (ou pior)... ou não?

Atualização

A coluna foi atualizada com a informação sobre a carta da CNBB aos bispos da Nicarágua.

Atualizado em 17/08/2022 às 22:03
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