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Nem mesmo os bispos têm autorização para negar a comunhão na boca ao fiel que a solicita.
Nem mesmo os bispos têm autorização para negar a comunhão na boca ao fiel que a solicita.| Foto: Herney Gómez/Pixabay

Foi grande a repercussão do vídeo em que o bispo auxiliar de Belo Horizonte, dom Joaquim Mol, se nega a dar a comunhão a uma crismada que se ajoelhara para receber na boca a Eucaristia – comentei o caso na semana passada, explicando por que as justificativas do bispo, divulgadas em nota depois que as imagens já estavam viralizando por aí, não eram sólidas. A reação à atitude do bispo se transformou em campanha; circula agora uma lista de “motivos pelos quais você pode (e deveria) comungar de joelhos e na boca”, padres estão gravando vídeos em defesa da comunhão de joelhos e na boca etc. Não sei até que ponto isso está restrito a “bolhas conservadoras” da catolicosfera, ou se está mesmo chegando a muitos católicos e sacerdotes que não estão enfurnados nas mídias sociais. A mobilização é muito boa – o desafio é achar a justa medida para conseguir o objetivo.

Vejam a lista de “10 motivos”, por exemplo. Cita o Catecismo, a instrução Redemptionis sacramentum, a Instrução Geral do Missal Romano, o Diretório Litúrgico da CNBB, declarações do papa Francisco... enfim, legislação não falta a respeito do direito que o fiel tem de receber Jesus Eucarístico de joelhos e na boca. Repito aqui a frase que aparece nos textos editados pela CNBB: “jamais se obrigará algum fiel a adotar a prática da comunhão na mão. Deixar-se-á a liberdade de receber a comunhão na mão ou na boca, em pé ou de joelhos”. Podem conferir, está também no Guia Litúrgico-Pastoral da conferência. Deveria estar bem claro para todo bispo e sacerdote que não existe base nem teológica, nem legal para se obrigar alguém a receber a Eucaristia apenas em pé e nas mãos. Nem mesmo durante a pandemia de Covid-19 o Vaticano deu permissão para que bispos ou conferências episcopais suprimissem a comunhão na boca – pelo contrário, em 2009, durante uma epidemia de gripe H1N1, um fiel consultou a Congregação para o Culto Divino e recebeu um “negativo” quando perguntou se a comunhão na boca poderia ser proibida.

Mas também não existe, nos lugares onde a Santa Sé autorizou a conferência episcopal a permitir a comunhão na mão e em pé, base para que um padre obrigue alguém a comungar de joelhos e na boca – a não ser que o rito específico o exija, como ritos orientais e a missa tridentina. Receber o Senhor Eucarístico nas mãos não é nenhuma invenção modernista; é bastante conhecida a citação de São Cirilo de Jerusalém sobre fazer “com a [mão] esquerda um trono para a direita, pois esta devia receber o Rei”, o que só faz sentido num contexto de comunhão na mão e indica que nos primórdios da Igreja houve o costume, ou ao menos a possibilidade, de que os fiéis recebessem a Eucaristia nas mãos.

Comunhão na mão (e em pé) não é, em si mesma, uma profanação, um sacrilégio, uma aberração ou uma ilegalidade; tampouco comunhão na boca (e de joelhos) é, em si mesma, exibicionismo, extravagância ou retrocesso

Então, fiquemos de acordo sobre isso: comunhão na mão (e em pé) não é, em si mesma, uma profanação, um sacrilégio, uma aberração ou uma ilegalidade; tampouco comunhão na boca (e de joelhos) é, em si mesma, exibicionismo, extravagância ou indietrismo (um neologismo do papa Francisco que poderia ser traduzido como “retrocessismo”). Há quem queira usar o modo de comungar como cavalo de batalha ideológico? Há quem queira fomentar a comunhão na mão de má-fé para reduzir a devoção eucarística dos fiéis? Muito provavelmente sim. Mas costumamos dizer que “o abuso não tolhe o uso”. A lei eclesiástica garante ao fiel a liberdade (essa é a palavra-chave) de escolher como quer comungar. E vejam que a lista dos “10 motivos” acerta ao dizer “deveria” não no sentido de obrigação, mas no de “juízo de valor”, digamos. Eu prefiro receber a Eucaristia de joelhos e na boca, mas não me recuso a recebê-la nas mãos e em pé, muito menos posso obrigar todo mundo a comungar da forma preferida por mim, nem considerar que os outros têm menos devoção eucarística que eu só porque recebem a hóstia em pé e nas mãos.

Essa liberdade, no entanto, não tem sido aplicada de forma equilibrada. Afinal, você já viu alguém ter negada a comunhão por ficar em pé ou estender as mãos? Mas já viu alguém ter negada a comunhão por se ajoelhar e querer receber a Eucaristia na boca, certo? É aí que mora o problema. E como reagir diante de um caso desses?

Minha sugestão é, antes de xingar muito na internet, sempre tentar resolver primeiro em particular numa conversa aberta, mas cordial, com o padre. Nem sempre há como saber de antemão se o sacerdote não conhece ao certo a disciplina eclesiástica sobre a comunhão (não raro ele pode achar, equivocadamente, que em algum momento a regra mudou), ou se conhece e faz questão de não aplicar. Se não funcionar, procure o bispo e exponha a situação, novamente com serenidade e mostrando que as normas da Igreja dão essa liberdade ao fiel. Se não der certo, procure o núncio, o Dicastério para o Culto Divino, mesmo sabendo que agora temos um cardeal Roche que não está aos pés do cardeal Sarah. E, em todos os casos, reze muito.

Sem oração, já perdemos o jogo

Fui à missa no sábado à noite, e infelizmente não houve nem a Oração do Nascituro, nem a inclusão de uma oração pela rejeição da ADPF 442 nas preces dos fiéis. Será que o bispo não recebeu a carta da CNBB? Será que recebeu, mas esqueceu ou não quis repassar aos padres? Se repassou, será que o padre recebeu? Se recebeu, será que esqueceu de incluir a oração, ou não quis incluir? Não sei a resposta, mas sei que é uma pena.

Como falei na coluna passada, a oração é a maior arma que temos contra a legalização do aborto. A CNBB acertou em cheio ao pedir que os católicos brasileiros rezem pela derrota da ADPF, ainda mais durante a Santa Missa, que é a oração por excelência. Pode ser que, por mais que rezemos, a vida ainda saia derrotada no Supremo? Pode, e existem milhares de páginas de boa teologia explicando por que nem sempre Deus atende nossas orações. Mas, se nem isso fizermos, aí é que já entramos em campo derrotados.

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