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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Santa Sé

Finanças do Vaticano ainda são elefante na sala, mesmo com Becciu fora do conclave

Finanças do Vaticano
Vaticano acumula déficits e sofreu com escândalos financeiros recentes. (Foto: Marcio Antonio Campos com Grok)

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O cardeal Angelo Becciu desistiu de vez de tentar participar do conclave. Na congregação geral de segunda-feira, ele renunciou (de novo?) aos direitos ligados ao cardinalato, incluindo o direito de eleger o próximo papa. Segundo o jornal italiano Domani, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado (e ex-chefe de Becciu) até o falecimento do papa Francisco, mostrou a Becciu na quinta-feira passada uma carta datilografada, assinada por Francisco, em que o pontífice o excluía de um eventual futuro conclave.

O problema imediato está resolvido – embora informações de bastidores digam que houve cardeais incomodados com o timing do aparecimento dessas cartas do papa. Mas, independentemente de Parolin ter ou não armado para Becciu, e independentemente até mesmo de Becciu ser ou não culpado no processo em que acabou condenado por um escândalo financeiro envolvendo imóveis de posse da Santa Sé em Londres, o fato é que as finanças do Vaticano estão em um estado calamitoso. Pouco antes de ser hospitalizado no Gemelli, em fevereiro, Francisco criou uma comissão para incentivar doações de fiéis à Santa Sé. No fim de 2024, o papa escreveu aos cardeais alertando sobre problemas sérios nas contas do fundo de previdência do Vaticano.

Isso não significa que Francisco simplesmente tenha deixado a batata quente assar até explodir. Pouco antes de Jorge Mario Bergoglio ser eleito, a situação estava feia a ponto de turistas e funcionários terem passado um mês e meio sem conseguir usar cartões de débito e crédito nas lojas e museus da Cidade do Vaticano, e nem sacar dinheiro nos caixas eletrônicos localizados dentro dos muros da cidade-Estado – uma punição das autoridades bancárias europeias pela falta de transparência e de medidas para evitar lavagem de dinheiro. Antes de seu pontificado completar um ano, Francisco criou um Secretariado para a Economia e o entregou nas mãos do cardeal australiano George Pell (por quem o leitor da coluna já sabe que tenho grande admiração). Pell trouxe auditores externos e chegou a propor, em 2015, medidas para atacar o rombo da previdência vaticana. Mas seus esforços foram atrapalhados pelo que a professora de Harvard e ex-embaixadora Mary Ann Glendon chamou de “deep State do Vaticano”.

Não basta os cardeais terem de achar um papa santo e doutrinalmente ortodoxo, ainda terão de procurar um bom administrador e captador de fundos?

Em artigo recente na First Things, Glendon contou brevemente sua experiência na comissão que, por ordem do papa Francisco, investigou um (novo) escândalo no Instituto para Obras Religiosas, o nome oficial do Banco Vaticano. Tanto esse trabalho quanto o esforço do cardeal Pell, disse ela, foram dinamitados por gente da Cúria Romana que se beneficiava com o caos e a falta de supervisão. Um caso controverso foi a renúncia do experiente auditor Libero Milone, trazido por Pell para passar o pente fino nas finanças do Vaticano. Milone deixou o cargo de auditor-geral após ter cumprido dois anos de um mandato que deveria ser de cinco. Mary Ann Glendon diz que foi Becciu quem se livrou do auditor, no momento em que ele começava a vasculhar a Secretaria de Estado (onde Becciu era o sostituto). Tempos depois, Becciu afirmou que Milone havia desrespeitado as regras “espionando as vidas privadas de seus superiores e equipe, incluindo eu”.

(Glendon ainda insinua que Becciu praticamente desviou dinheiro do Vaticano para ajudar a acabar com Pell, que respondia a um processo por abuso na Austrália e foi vítima de um dos maiores erros judiciais da história daquele país, passando mais de um ano preso por algo que ele não fez. Mas não sei dizer até que ponto isso é verdadeiro.)

Finanças do Vaticano foram discutidas na congregação geral desta quarta-feira

Segundo a Sala de Imprensa da Santa Sé, a sétima congregação geral, que ocorreu na manhã desta quarta-feira (horário de Roma), começou justamente com uma discussão sobre as finanças do Vaticano. Os 181 cardeais (dos quais 124 são eleitores) ouviram um relato dos “desafios e pontos críticos”, apresentado pelo alemão Reinhard Marx, coordenador do Conselho para a Economia. Também falaram os cardeais Kevin Farrell, presidente do Comitê de Investimentos, e Christoph Schönborn, presidente da Comissão Cardinalícia Supervisora do Instituto para Obras Religiosas.

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Não basta os cardeais terem de achar um papa santo e doutrinalmente ortodoxo, ainda terão de procurar um bom administrador e captador de fundos? Ou bastará alguém que saiba colocar as pessoas certas nos lugares certos, e ter a força para garantir que esse “deep State vaticano” não atrapalhe dessa vez? E como isso valoriza ou prejudica alguns nomes de papabili? Fico na dúvida, por exemplo, se Pietro Parolin ganha ou perde com isso. Se por um lado ele tem a experiência administrativa de 12 anos como secretário de Estado, também é verdade que seu mandato teve sua boa dose de escândalos, como o caso Becciu bem demonstra.

Cardeais pedem orações pelo conclave

Também na congregação geral de hoje, os cardeais divulgaram um pedido a todos os católicos para que rezem pelo conclave. Confiram a tradução oficial em português, de acordo com a Sala de Imprensa da Santa Sé:

“O Colégio Cardinalício, reunido em Roma e empenhado nas Congregações Gerais que preparam o Conclave, deseja dirigir ao Povo de Deus o convite a viver este momento eclesial como um acontecimento de graça e discernimento espiritual, na escuta da Vontade de Deus. Por isso, os Cardeais, conscientes da responsabilidade a que são chamados, reconhecem a necessidade de serem sustentados pela oração de todos os fiéis. Esta é a verdadeira força que, na Igreja, favorece a unidade de todos os membros no único Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 12, 12). Diante da grandeza desta iminente tarefa e das urgências do tempo presente, é necessário, antes de tudo, fazermo-nos instrumentos humildes da infinita Sabedoria e Providência do Pai Celeste, na docilidade à ação do Espírito Santo. É Ele, na verdade, o protagonista da vida do Povo de Deus, Aquele a quem devemos escutar, acolhendo o que diz à Igreja (cf. Ap 3, 6). Que Nossa Senhora, com a sua intercessão maternal, acompanhe esta comum invocação.”

Essa é a principal tarefa dos católicos neste momento. Podemos discutir nomes, opinar sobre as prioridades para a Igreja, mas nossa obrigação mesmo é rezar, e muito, para que os cardeais escolham um bom papa.

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