Uma das mesas em que foram divididos os participantes do Sínodo nesta primeira fase de discussões.| Foto: EFE/EPA/Vatican Media handout
Ouça este conteúdo

A primeira parte do Sínodo sobre a Sinodalidade está acabando. Esta é a última semana de discussões, e os participantes (nem sei se ainda dá para chamar de “padres sinodais”, de tanto “não padre” que integra o elenco do Sínodo) estão cansados. Amanhã, dia 25, será publicada uma “carta ao povo de Deus” e, no sábado, um documento-síntese, que não será nada definitivo, até porque ano que vem os membros se reúnem todos novamente para mais um mês de discussão.

CARREGANDO :)

Os participantes do Sínodo e todos os católicos terão 11 meses para ruminar o que quer que saia nesse texto, mas o padre dominicano Timothy Radcliffe, um dos pregadores escolhidos pelo papa Francisco para o Sínodo, resolveu usar imagens bem mais elegantes: a de uma gestação e a de um cultivo agrícola. Ontem, dia 23, o padre Radcliffe se dirigiu aos integrantes do Sínodo afirmando que esse intervalo entre as duas assembleias será “o tempo mais fértil de todo o Sínodo, o tempo da germinação”. Citando Abraão e Sara, que receberam a promessa de que teriam grande descendência, mas tiveram de esperar um pouco para vê-la cumprida, Radcliffe disse que “nós estamos grávidos de uma nova vida” e que “esses 11 meses serão como uma gestação”.

Um conceito tão aberto como o de “sinodalidade” foi facilmente sequestrado por grupos de pressão dentro da Igreja que transformaram esse Sínodo em meio para fazer andar pautas bastante específicas

Publicidade

O dominicano também avisou os integrantes do Sínodo para que não se deixem levar por linguagens polarizadoras. “Quando voltarmos para casa, irão perguntar: ‘você lutou pela nossa bandeira? Você se opôs àqueles obscurantistas?’ Temos de rezar muito para resistir à tentação de cair nesse modo partidário de pensar”, disse, acrescentando que “às vezes batalhas são inevitáveis – pensemos em Santo Atanásio”, mas que o processo sinodal “é mais como plantar uma árvore que vencer uma batalha”. Achei interessante a menção a um santo que passou praticamente toda a sua vida lutando contra um enorme erro doutrinário bastante popular em seu tempo, o arianismo; e que esta menção tenha sido feita em uma ocasião na qual há outros erros morais e doutrinários igualmente populares, promovidos por gente nos mais altos escalões da Igreja. Imagino que outros analistas e participantes do Sínodo também terão prestado atenção nisso, embora eu não possa dizer se o próprio Radcliffe percebeu essa dimensão da referência que fez.

Lembremos que a proposta original do Sínodo era discutir a tal “sinodalidade”, uma espécie de “como a Igreja funciona”, como ela toma decisões, quem ouvir neste processo, que critérios empregar. Um conceito tão aberto, no entanto, foi facilmente sequestrado por grupos de pressão dentro da Igreja que transformaram esse Sínodo em meio para fazer andar pautas bastante específicas. Já não se trata de discutir “como a Igreja decide”, mas de fazer “que a Igreja decida o que eu quero que ela decida neste assunto X”. Se na opinião pública o Sínodo deixou de ser “sobre a sinodalidade” para ser visto como uma assembleia na qual decidirão (atenção a essa palavra) se mulheres podem ser ordenadas, se o celibato sacerdotal será abolido ou se uniões homoafetivas poderão receber bênçãos, não é culpa de quem está olhando do lado de fora, mas de quem está lá dentro forçando essas pautas.

Sigo confiante na Providência Divina e na promessa que Deus fez à sua Igreja, que desta germinação não sairá nenhuma colheita maldita, e nem que dessa gestação virá um bebê-diabo (essa só quem tem mais idade e conhece um pouco da história do jornalismo paulista vai entender). Ao longo do Sínodo tivemos boas intervenções, segundo relatos: o cardeal Pietro Parolin surpreendeu para o bem, o arcebispo australiano Anthony Fisher foi bem mais assertivo em relação ao que vem ou não vem do Espírito Santo em comparação com o porta-voz do Vaticano, e tem muito mais gente boa participando dos debates. Mas também sei que há muitos semeadores de joio, muitos Castevets, que farão o possível para arrastar consigo, se não a Igreja inteira, ao menos muitos fiéis para a confusão doutrinal. Teremos muito trabalho duro ao longo dos próximos 11 meses.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]