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Paulo Briguet

Paulo Briguet

“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

Regime PT-STF

As trevas da censura: seis anos do Inquérito das Fake News

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Às quatro da manhã, enquanto rezava o primeiro terço, volvi os olhos para a janela e contemplei a linha dos edifícios da minha cidade. Quase todas as pessoas dormiam, mas, em algumas dezenas de lares, havia luzes acesas. Imaginei que ao menos uma parte desses madrugadores estivesse rezando comigo naquele momento. Na verdade, eu não estava sozinho: estava com Deus e com meus irmãos em Cristo.

Certa vez, um mestre me ensinou que os atos mais importantes da vida de um homem são realizados sem testemunhas oculares. Na madrugada desta quarta-feira, quando lancei um olhar esperançoso para as trevas, só havia duas testemunhas: eu e Deus. Mas agora decidi compartilhar esse instante com meus sete leitores. O que aconteceu não pode "desacontecer": olharei por essa janela eternamente.

As trevas da censura começaram a tomar conta do Brasil há seis anos, em 14 de março de 2019, quando um ministro do Soviete Supremo Federal abriu de ofício o Inquérito 4.781, também conhecido como Inquérito das Fake News, e mais adequadamente denominado Inquérito do Fim do Mundo.

A partir desse ato imoral, ilegal e inconstitucional, armou-se toda a gigantesca máquina que devolveria os criminosos à vida pública, levaria os inocentes para a cadeia ou o exílio e sepultaria a liberdade de pensamento e expressão no Brasil. 

Todas as desgraças que aconteceram no país desde então — inclusive o golpe revolucionário de 2022 — se ligam a esse famigerado inquérito, que à maneira de um roedor gerou filhotes igualmente repugnantes: os inquéritos 4.874, 4.879, 4.917, 4.918, 4.919, 4.922 e 4.923. Essa proliferação de atos tirânicos culminará no julgamento do ex-presidente Bolsonaro e de seus apoiadores.

Com Bolsonaro na cadeia por um golpe impossível e inexistente, o sistema se sentirá livre para aprisionar e perseguir qualquer um de seus milhões de eleitores. O fim do Inquérito do Fim do Mundo é o Gulag.

Por uma dessas coincidências que de acaso não têm nada, acabo de concluir a leitura de “Censura por toda parte”, do advogado constitucionalista André Marsiglia. 

Em 2019, como advogado da Revista Crusoé, Marsiglia testemunhou o nascimento do Inquérito 4.781. Desde o início, ele compreendeu que todas as críticas ao Supremo Soviete seriam “entendidas como ameaças ou ataques à justiça e aos ministros; fake news [seriam] entendidas como instrumentos dos ataques, e a Corte será protagonista de toda e qualquer reação institucional”. 

Estava decretada a morte da liberdade de expressão em nosso país — e Marsiglia estava entre os poucos juristas que perceberam isso.

Em seu livro, Marsiglia revela a censura não como um mero instrumento do poder, mas como o elemento fundamental de todo regime autoritário, ainda que disfarçado de democracia.

A mentalidade censora se faz presente não apenas no poder judiciário, mas também em toda a estrutura da sociedade e até na alma das pessoas

A censura é o maior dogma da religião civil esquerdista, porém às vezes lança seus tentáculos sobre os conservadores (veja-se, por exemplo, o comportamento dos stalinistas de direita na máquina partidária).

“Não há censura do bem, não há censura para o progresso, nada justifica a censura em uma democracia que pretenda ser levada a sério”, escreve Marsiglia. 

A censura das redes sociais é tão perniciosa quanto a cultura do cancelamento; a autocensura da mídia é tão devastadora quanto o cerceamento do direito de defesa (sendo esta uma forma de censura que se exerce contra o próprio funcionamento da Justiça).

Todos os eufemismos empregados para designar a censura — tais como “controle das redes”, “combate às fake news” ou “combate ao discurso de ódio” — não passam de disfarces verbais para o assassinato da liberdade.

Na Alemanha nacional-socialista, como aponta Hannah Arendt no magistral “Eichmann em Jerusalém”, havia um nome para esse assassinato: Sprachregelung (regulamentação da linguagem). Era o nome nazista para a mentira oficial. Lembre-se dessa palavra quando ouvir algum militante defendendo “regulamentação das redes”. 

Em “Censura por toda parte”, André Marsiglia menciona um dos hábitos linguísticos do Imperador Calvo em suas decisões. Usando caixa alta, o magistrado sentencia: “LIBERDADE DE EXPRESSÃO NÃO É LIBERDADE DE AGRESSÃO!”. O comentário do autor é brilhante: 

“Escrever em caixa alta nas redes sociais é entendido nas redes sociais como um grito, o que sugere que a autoridade do ministro deseja se impor, literalmente, no grito, mas, de qualquer forma, ao afirmar que a agressão não pertence ao rol das escolhas possíveis para a expressão, mostra o quanto a entende de forma asséptica. O boi que eu como não deve ser visto ou lembrado morto quando está em meu prato; o discurso que ouço não pode me agredir; e quando algo sai dessa bolha asséptica, eu GRITO!”

Em “Arquipélago Gulag” — um livro que frequentemente cito aos meus sete leitores —, Aleksandr Soljenítsin escreve sobre os campos de concentração comunistas:

“Não sei como os sociólogos definem a opinião pública, mas é claro para mim que ela só pode ser constituída por opiniões individuais que se influenciam mutuamente, que se expressam de maneira livre e completamente independente da opinião do governo, ou do partido, ou da voz da imprensa. E enquanto não houver no país uma opinião pública independente, não haverá garantia alguma de que a destruição gratuita de milhões e milhões de pessoas não se repetirá, de que ela não começará certa madrugada, qualquer madrugada, na madrugada de hoje”.

O Brasil precisa fazer a sua escolha: o grito do Imperador Calvo ou a liberdade de expressão para o povo. Qual será a escolha dos brasileiros?

Ainda é cedo para responder. Mas quando vi algumas luzes se acenderem, no terço da madrugada, meu coração se encheu de uma antiga e poderosa esperança: a esperança de que as trevas da censura e da morte não prevalecerão.

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