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Paulo Filho

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Guerra tarifária

EUA x China: o mundo na trilha de um confronto inevitável?

Embora o confronto militar direto entre China e Estados Unidos ainda não tenha se concretizado, já se desenrola um embate estratégico de alta intensidade nos campos político, econômico e cibernético. (Foto: Kent Nishimura/Sergei Bobylev/EFE/EPA/POOL)

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O exponencial aumento das tensões entre EUA e China, provocado pela guerra tarifária lançada por Donald Trump, elevou o risco de um conflito militar entre as duas maiores potências econômicas — e militares — do planeta.

O risco de eclosão de um confronto entre americanos e chineses não é novo, é verdade. Desde que a China engatou a quinta marcha em seu crescimento econômico e passou a ameaçar interesses norte-americanos, essa possibilidade vem sendo cada vez mais estudada por estrategistas de ambas as margens do Oceano Pacífico.

Em 2011, o presidente Obama lançou o “Rebalance to Asia”, uma mudança estratégica no foco da política externa dos EUA, que deixava os conflitos no Oriente Médio para priorizar a região do Indo-Pacífico, com ênfase na contenção do crescente poder da China. 

Apesar da nova prioridade, a linguagem diplomática ainda era cooperativa e cautelosa. A Estratégia Nacional de Segurança (ENS) dos EUA de 2015, por exemplo, tratava a China como uma potência em ascensão, mas ainda propunha "gerenciar diferenças de maneira construtiva" e integrá-la à ordem internacional.

Em 2017, no primeiro governo Trump, uma nova Estratégia mudou o tom, passando a designar a China como uma "potência revisionista" que "desafia o poder, a influência e os interesses americanos”. 

Em 2022, a ENS lançada pelo governo Biden adotou uma postura um pouco mais diplomática, mas manteve a essência da abordagem estratégica dos EUA em relação à China, tratando-a como seu “principal competidor estratégico”.

Os chineses, por sua vez, consideram que, desde Obama, a estratégia de contenção adotada pelos EUA se tornou uma tendência crescente na política norte-americana. 

Em 2015, ao lançar sua Estratégia Militar, os estrategistas chineses reconheceram que a Ásia havia se tornado o palco prioritário das disputas globais. 

Não por coincidência, foi também em 2015 que as Forças Armadas chinesas passaram por uma profunda transformação organizacional, entrando em um ritmo acelerado de modernização com o objetivo — segundo o próprio presidente Xi Jinping — de transformá-las em forças “de classe mundial”.

Apesar de os documentos estratégicos oficiais de ambos os países intuir o rufar dos tambores da guerra, os mais otimistas sempre lembravam de um fato: a enorme interdependência econômica entre China e EUA funcionava como um poderoso estímulo à manutenção da paz. Afinal, como imaginar que países com economias tão imbricadas, que chegaram a manter um fluxo comercial diário de cerca de 2 bilhões de dólares, pudessem ir à guerra? 

Esse argumento, que durante anos sustentou uma visão otimista, começa agora a perder força diante das ações concretas de desacoplamento promovidas por ambos os lados.

Dessa forma, diversos acontecimentos demonstram que, em 2025, o mundo já presencia embates intensos entre norte-americanos e chineses em múltiplos domínios estratégicos — comercial, tecnológico, informacional e diplomático.

Enquanto vigorar — e nenhum dos lados parece disposto a recuar — a guerra tarifária iniciada por Trump e prontamente respondida pelos chineses, as trocas comerciais entre os dois países permanecerão, na prática, suspensas, pulverizando a interdependência econômica que, até aqui, trabalhava em favor da estabilidade.

Além disso, outras restrições não tarifárias vêm intensificando o conflito. A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a China seja responsável por cerca de 61% da produção de terras raras e 92% de seu processamento. É nessa condição que o país acaba de proibir a exportação de determinados minérios de terras raras pesadas para os EUA. 

Essa restrição é particularmente grave para a indústria de defesa norte-americana, já que tais elementos são fundamentais para a fabricação de diversos sistemas e materiais militares, como os jatos F-35, os mísseis Tomahawk e as aeronaves remotamente tripuladas Predator, para citar apenas alguns exemplos relevantes.

Os EUA, por sua vez, vêm exercendo forte pressão sobre o Panamá, o primeiro país latino-americano a aderir à iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda.

O governo panamenho acaba de anunciar sua retirada do acordo, enquanto Washington envia tropas para o entorno do Canal e um órgão regulador panamenho anuncia que pretende processar a empresa chinesa responsável pela administração de dois portos importantes do país, alegando irregularidades que podem levar à cassação de sua licença de operação. 

Paralelamente, multiplicam-se as acusações de que chineses e norte-americanos estariam por trás de ataques cibernéticos mútuos, de crescente intensidade.

Como se vê, embora o confronto militar direto entre China e Estados Unidos ainda não tenha se concretizado, já se desenrola um embate estratégico de alta intensidade nos campos político, econômico e cibernético

O que antes era apenas competição, agora assume contornos de uma confrontação sistêmica, marcada por ações deliberadas de desacoplamento e contenção.

A história ensina que conflitos dessa natureza, quando não são controlados por mecanismos eficazes de cooperação e dissuasão, tendem a escalar. 

À medida que os canais de diálogo são substituídos por sanções, retaliações e demonstrações de força, o risco de uma escalada inadvertida se torna real. 

Uma guerra entre as duas maiores economias do planeta — ambas potências nucleares — não comprometeria apenas a estabilidade no Indo-Pacífico, mas lançaria todo o mundo em uma crise com gravíssimas repercussões.

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