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Sessão plenária do STF
Sessão plenária do STF| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que um jornal pode ser punido por falas de um entrevistado. Os ministros formaram maioria pela chamada “liberdade com responsabilidade” — em favor de um político do Partido dos Trabalhadores (PT). Mas será que punir um jornal pela fala de um entrevistado é prezar pela liberdade com responsabilidade? Na prática, o efeito pode significar menos liberdade e mais censura, só que, agora, a censura será descentralizada.

Como a liberdade de imprensa e a justiça podem ser garantidas com essa decisão? A discussão estava na Corte desde 2017 e o ministro aposentado Marco Aurélio Mello, relator do caso, foi contra a punição. A ministra Rosa Weber foi a única que acompanhou Marco Aurélio. Agora, segundo o STF, cabe aos veículos de comunicação fazerem a censura prévia de seus entrevistados. Será que as entrevistas deverão ser editadas e revisadas por advogados?

O Brasil já é um país com pouca liberdade econômica, não precisamos nos tornar também um país com pouca liberdade de imprensa e de expressão.

O processo foi movido pelo ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho (PT-SP) contra o jornal Diário de Pernambuco. Em 1995, o jornal publicou uma entrevista de um delegado, que acusou Zarattini de ser responsável por um atentado a bomba em Recife na década de 1960. Zarattini, que era considerado inocente perante a Justiça, processou o jornal pela publicação da matéria.

Zarattini perdeu no Tribunal de Justiça de Pernambuco, mas conseguiu ganhar o processo, com indenização por danos morais de R$ 50 mil, quando recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por causa disso, o Diário de Pernambuco resolveu recorrer ao STF.

O ministro Marco Aurélio votou contra a condenação do Diário de Pernambuco por entender que os veículos jornalísticos devem ter liberdade para veicular opiniões de diferentes campos políticos e ideológicos. Para o ministro, a empresa jornalística não deveria responder civilmente por veicular a opinião de um terceiro sem emitir a sua própria. Infelizmente, os demais colegas do STF não pensaram do mesmo jeito.

A sociedade precisa estar vigilante para manter a liberdade de expressão e a imprensa livre.

Mas por mais que o ex-deputado seja considerado inocente pela Justiça, a nova decisão do STF põe em risco a plena liberdade de imprensa e limita o amplo debate público, dois pilares fundamentais de uma sociedade livre e democrática. Com a onda de decisões judiciais que restringem a liberdade nos últimos tempos, a medida vai fazer com que os jornais dediquem ainda menos espaço para pessoas que criticam os excessos de agentes públicos e políticos. Ou seja, os veículos de imprensa podem evitar matérias e entrevistas que critiquem os poderes constituídos, como se isso não fosse parte necessária de uma democracia plena.

Embora a decisão do STF não signifique, na teoria, censura prévia, na prática, teremos mais censura prévia sendo feita pelos próprios veículos de comunicação. A decisão admite a análise e responsabilização “por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas em relação a eventuais danos materiais e morais”. Sem dúvida, isso pode fazer com que a imprensa se “autocensure” por medo de represálias e condenações.

E quem vai decidir o que é uma informação injuriosa e difamante? E por que não responsabilizar a pessoa que comete a calúnia (se comprovada), em vez do jornal? A liberdade de imprensa é um princípio fundamental em um Estado Democrático de Direito. Em um país em que a corrupção alcança todas as instituições, a liberdade de imprensa é ainda mais necessária para a nação. E é plenamente legítimo que um jornal dê voz para pessoas que queiram criticar eventuais abusos do governo ou mesmo apontar riscos importantes para o futuro do país.

Os jornalistas devem apresentar diferentes pontos de vista sobre os eventos e ocorridos, mesmo que essas interpretações desagradem aos poderosos. A responsabilização de jornais por opiniões de entrevistados pode desencorajar os jornalistas a buscar diferentes perspectivas sobre um assunto, o que acaba por diminuir a diversidade de opiniões na mídia e o livre acesso à informação pelas pessoas. Também pode fazer com que o jornalismo investigativo se torne ainda mais raro, já que alguns crimes são revelados pela imprensa antes que cheguem à mesa de análise de um juiz.

A censura, seja centralizada em um órgão público ou descentralizada em cada sala de redação, segue sendo um retrocesso incompatível com as democracias.

E imagine o risco de uma entrevista ao vivo na televisão ou rádio para a emissora que a promove… Responsabilizar os veículos jornalísticos também pode desestimular coberturas ao vivo, principalmente de manifestações populares, nas quais não se pode controlar a opinião de cada participante. Provavelmente, veículos de comunicação e jornalistas irão se sentir inibidos de atuarem livremente, e terão que investir tempo, energia e dinheiro em criar mais um aparato burocrático para filtrar entrevistas, fiscalizar coberturas ao vivo e revisar citações de terceiros, com medo de represálias legais. Além disso, o debate público só é enriquecido quando existem diferentes opiniões e perspectivas. Jornalistas devem buscar entrevistas de diferentes opiniões, mesmo controversas, para que a sociedade se beneficie de um debate mais amplo, informativo e robusto.

Um exemplo de debate que pode ser inibido é sobre os privilégios do alto escalão do funcionalismo, incluindo os privilégios do Judiciário. Os jornais denunciam há anos, com a ajuda de especialistas em políticas públicas, juízes que ganham acima do teto (ou seja, mais que um ministro do STF), graças aos penduricalhos e às decisões administrativas dos próprios tribunais. Como existem brechas legais para isso, um tribunal pode entender que a opinião de um economista ou outro especialista em políticas públicas contra os privilégios é caluniosa. E, assim, o jornal seria responsabilizado e processado por noticiar algo tão relevante para o interesse público e o bolso do pagador de impostos.

É plenamente legítimo que um jornal dê voz para pessoas que queiram criticar eventuais abusos do governo.

A censura, seja centralizada em um órgão público ou descentralizada em cada sala de redação, segue sendo um retrocesso incompatível com as modernas e desenvolvidas democracias. A ideia de ser uma "autocensura" também não a torna legítima ou desejável. O caminho para avançarmos segue sendo da ampla liberdade de imprensa, mesmo que isso gere algum incômodo ou desconforto no curto prazo. Felizmente, a discussão do STF em relação à responsabilização dos veículos ainda não acabou. Há previsão para que haja um novo julgamento, sem data prevista, para que os ministros do STF entrem em consenso sobre uma tese relacionada ao tema que sirva para os demais casos.

Isso porque existem três teses — além da de Marco Aurélio, que perdeu — no Supremo sobre o assunto. O ministro Alexandre de Moraes sustenta que “a conduta dos meios de comunicação configura abuso do poder de informação quando atua sem as devidas cautelas para a verificação da veracidade das informações veiculadas”. “Nesses casos, portanto, a responsabilização dos veículos de imprensa, com a aplicação de penalidades a posteriori, não configura, de modo algum, censura”, acrescentou.

O ministro Luís Roberto Barroso também votou pela condenação do Diário de Pernambuco, mas com outra tese. Para Barroso, “na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente” se, na época da divulgação, havia indícios sólidos em relação à falsidade da imputação e se o “veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.

Por sua vez, o ministro Edson Fachin também votou pela condenação do jornal, mas, para ele, a empresa jornalística só deve pagar indenização por dano moral quando não há “protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta”, quando se “reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção”.

Antes desse novo julgamento, é preciso que a sociedade civil e os veículos de comunicação discutam esse importante tema e as consequências dessa decisão. A sociedade precisa estar vigilante para manter a liberdade de expressão e a imprensa livre, dois requisitos básicos de uma sociedade plenamente democrática. Assim, torçamos para que o STF não siga no caminho que pode resultar em mais censura e menos debate público. O Brasil já é um país com pouca liberdade econômica, não precisamos nos tornar também um país com pouca liberdade de imprensa e de expressão.

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