Ministro Tarcisio de Freitas e o presidente Jair Bolsonaro na entrega da pavimentação da BR-163, no Pará.| Foto: José Dias/PR
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Se descobrirem algum esquema suspeito, se o ministro Tarcísio de Freitas cometer erros inacreditáveis nos próximos anos, muita gente na imprensa será atazanada pelos elogios derramados à sua gestão no Ministério da Infraestrutura. Com esta coluna, passo a integrar este grupo de risco. Talvez exista algo podre que não apareceu. Mas o que chega ao público, de fato, vai bem. E não merece só elogios: até o momento, o ministro Tarcísio se apresenta como referência simbólica para todo o resto da política brasileira, um paradigma do que deve ser feito.

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Antes mesmo de analisarmos qualquer decisão tomada por ele, há o personagem. Militar de carreira, especializado em logística e infraestrutura, Tarcísio ascendeu em Brasília ainda no governo Dilma Rousseff, quando chefiou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Sob a presidência de Michel Temer, ajudou a liderar o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), e então foi convidado para ministro de Jair Bolsonaro.

Hoje, Bolsonaro parece estar numa cruzada contra a presença de esquerdistas na máquina pública. Por que um governo de direita deve promover uma caça às bruxas contra servidores de esquerda? Caso exista um funcionário similar a Tarcísio na máquina pública, mas com ideias à esquerda no campo dos costumes, ele deve ser mantido no cargo.

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A presença de servidores alinhados com a oposição é marca típica das democracias. Numa ditadura comunista, alguém como Tarcísio jamais seria aceito no governo Dilma. Quando acabar o atual ciclo da direita no poder, é saudável que já existam quadros no governo que possam se aproximar da esquerda e tocar o barco sem parar os projetos anteriores, como fez o atual ministro da Infraestrutura ao fim do último ciclo esquerdista.

Enquanto isso, o PT publica resoluções internas arrependendo-se da indicação de não-alinhados como ministros do STF e ocupantes de outros cargos de alto escalão. Como lembramos, a gestão petista também foi marcada pela presença de não-técnicos em cargos de grande importância.

Ao invés de derreter-se com inveja das práticas de Nicolás Maduro, o petismo deveria lembrar de Tarcísio e celebrar a presença de não-alinhados em cargos de peso. Sei que não vai acontecer, mas deveria. Para evitar os erros e crimes cometidos durante o governo Dilma, é crucial que os técnicos do governo pensem primeiro no Brasil, e só depois na arrecadação para as campanhas do PT. Independência e impessoalidade são valores que merecem incentivo na máquina pública.

Além do símbolo, há a gestão de Tarcísio e seus atos práticos. Igualmente, acredito que ambos os lados do Fla-Flu político teriam muito a aprender se observassem com mais atenção o que está sendo feito no Ministério da Infraestrutura.

Primeiramente, Tarcísio redefine aquilo que Bolsonaro chama de “ministro técnico”. Trata-se de um técnico por excelência, incontestável. Antes de entrar no governo vigente, o ministro integrava o mesmo time que ele hoje lidera. Sua função pregressa era liderar concessões de infraestrutura, exatamente o que ele faz hoje. Essa noção de continuidade contrasta com o que se vê no MEC – cujo “ministro técnico” é um professor universitário que nunca geriu políticas educacionais anteriormente e defende uma ruptura brusca como método de gestão. É importante que os servidores permanentes do governo federal possam ascender ao cargo de ministro.

Ainda mais importante para o mote desta coluna, o leitor deve reparar como Tarcísio não entra em polêmicas. Quando fala, ele toca em temas como outorgas, investimentos, desenhos de concessão e prazos. Nas falas do ministro, importam os detalhes áridos da política pública, sem espaço para bravatas que bombam nas redes sociais.

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Em um ano no cargo, Tarcísio falou pouco, mas asfaltou a BR-163, que liga a produção agrícola do Centro-Oeste aos portos do Pará. Em 2020, promete licitar a Ferrogrão, ferrovia que faz a mesma ligação. Os dois projetos, realizados sob intensa restrição orçamentária do governo federal, são um choque de produtividade na veia da exportação de grãos (soja, milho, etc...).

Assim tem atuado o ministério mais elogiado do governo Bolsonaro: poucas tretas, muitas obras focadas no que realmente pode aumentar o bem-estar do brasileiro. Bom seria se o resto do governo fosse assim...

Melhor ainda seria se o governo Dilma tivesse atitude semelhante ao planejar obras. Ao invés disso, o período do PT no governo foi marcado por centenas de bilhões de reais gastos em tentativas fracassadas de estimular a economia. Caso houvesse um Tarcísio no governo há mais tempo, eu seria mais simpático às teses de economistas à esquerda que defendem um aumento do investimento público como remédio para o baixo crescimento.

Mais do que discutir se precisamos de mais ou menos investimentos públicos no agregado, é crucial pensar em como os investimentos serão feitos. Para isso, importa a formulação de processos eficientes que garantam uma execução eficiente das obras. Foi isto o que faltou no governo Dilma, quando sobrava dinheiro no caixa do governo. E é isto o que sobra em Tarcísio, apesar da escassez de dinheiro no caixa do governo.

Dado que a Aliança pelo Brasil ainda está em formação, ainda há imensos vácuos de poder dentro do bolsonarismo. O presidente precisará de nomes fortes para concorrer a cargos eletivos importantes. Eu ficaria satisfeito se o ministro Tarcísio ocupasse parte desse espaço. Até o momento, é o quadro mais promissor do governo, e seria positiva a expansão da sua influência dentro do bolsonarismo. Elogiar políticos é hábito dos mais perigosos, que sempre pode transformar-se num fardo para quem o faz abertamente. Mas, num momento de escassas referências positivas na política brasileira, é importante reconhecer quem foge à regra. Espero que o ministro não me decepcione.

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