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Alexandre de Moraes
Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes em meio à coreografia (olha o spoiler!) campeã.| Foto: Montagem

Alexandre de Moraes estava um pouco esbaforido ao final da rumba. Mas Gerson Camarotti o aplaudia e Miriam Leitão o aplaudia e Octavio Guedes o aplaudia, o que o fez se esquecer do cansaço. Ele sentiu uma pontada nos fundos dos olhos e pensou que era ridículo que um homem de sua estatura e importância chorasse naquela ocasião, diante da imprensa e dos jurados, meu Deus!, de Jean Wyllys, Reinaldo Azevedo, Randolfe Rodrigues e até o Pacheco. Se bem que a nota dez de Pacheco era mais do que garantida.

Mas a emoção era maior do que qualquer argumento contrário e, sem que ele assinasse alvará de soltura, uma maldita e deselegante e, sinceramente, cafona lágrima escorreu por seu rosto branco, liso e caricatural demais.

Alheio aos aplausos e aos comentários aleatórios do Faustão, Alexandre de Moraes olhou para o lado e novamente se espantou com o sorriso de Cármen Lúcia. Era o ângulo ou o tom nicotinado dos dentes ou o hálito. Ou talvez o sorriso refletisse o pescoço por onde escorria não uma, mas várias malditas e deselegantes e, sinceramente, cafonas gotas de suor. Desviando o olhar, Alexandre de Moraes se perguntou mais uma vez por que ele, um constitucionalista, um professor do Largo de S. Francisco, um ministro do supremo, um cruzado da democracia estava ali naquele palco.

Mas não teve tempo de encontrar resposta para essa questão existencial. Porque Faustão já lhe apontava o microfone ameaçador e o auditório havia caído naquele silêncio cheio da tensão que sempre se sucede à Pergunta.

– São os cupins da democracia – respondeu Alexandre de Moraes sem ter a menor ideia do que o apresentador lhe perguntara.

– Oloko meu! – disse Faustão, sem insistir e saindo para seu canto no Universo. A plateia riu e Alexandre de Moraes ficou mais tranquilo. De alguma forma, o que ele disse não só fez sentido como pareceu agradar a plateia formada por jornalistas da GloboNews. Era uma sensação boa essa de ser bajulado, pensou Alexandre de Moraes, num raro momento de sinceridade. Ou melhor, começou a pensar, porque logo ele ouviu a voz de Randolfe Rodrigues e algo dentro dele lhe gritou que era melhor prestar atenção.

– Sabe, Xande. Posso te chamar de Xande? Xandão? Xandinho? – perguntou Randolfe Rodrigues, sua voz algumas oitavas acima do suportável.

Alexandre de Moraes ia responder que não, claro que não, de jeito nenhum!, ele era Alexandre e era não apenas de uma moral, e sim de Moraes, várias morais, ministro do STF, otoridade máuxima a quem não cabia o mau gosto vulgar de um apelido tão depreciativo, algo indigno de seu estilo nobre e até aristocrático. Como disse alguém agora há pouco (Reinaldo Azevedo?).

– Pô, Randolfe. Claro que não, fio. Alexandre de Moraes não é homem de apelidos, e sim de títulos nobiliárquicos. Ele não tem cara de conde, gente? – perguntou o Pacheco para a plateia formada por jornalistas da GloboNews e garantindo, assim, a harmonia entre os poderes.

– Oloko, meu! – disse Faustão, e todos riram, menos Cármen Lúcia, que só queria mesmo é voltar para casa e assistir a um documentariozinho da Brasil Paralelo em paz.

– Então, tá. Me desculpe, excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes. O que eu queria dizer é que o que vi hoje aqui neste palco democrático foi maravilhoso. Coisa digna de grandes juristas como Flávio Dino e Jorge Messias. Minha nota...

E só então Alexandre de Moraes se deu conta de que todos os demais jurados, inclusive Zé Dirceu, já tinham dado nota para a apresentação dele. E mais: todos deram nota máxima. O general Tomás Ribeiro Paiva chegou até a dizer que aquela rumba o transportara para a gloriosa Cuba do comandante Fidel e aos não menos gloriosos tempos em que ele se dedicava apenas à pintura de meios-fios, arrancando risos do Jean Wyllys ali ao lado.

Apenas dois décimos separavam a dupla Alexandre & Cármen do título que disputavam com Kássio & Mendonça. A nota de Randolfe Rodrigues, portanto, determinaria a vitória ou derrota da dupla dupla progressista frente à dupla indicada por Bolsonaro. Cármen Lúcia parecia ter deixado de respirar. Por algum motivo, ela ouvia cada palavra do minissenador como se fosse um longo voto cheio de latinórios, mesóclises, doutrina alemã e a inconfundível prosódia do ex-colega Marco Aurélio Mello. Um tanto quanto aéreo e perdido em recordações de uma viagem recente à Itália, Alexandre de Moraes fez força e apertou os olhinhos para prestar atenção ao que dizia Randolfe.

– ...e acho que vocês, principalmente você, Alexandre de Moraes, emocionaram essa plateia linda com uma demonstração de força e superação, de graça e leveza, de defesa da democracia contra o autoritarismo reacionário. A sua nota é... – As reticências pairaram no ar. Logo Alexandre de Moraes percebeu que era um gesto teatral, operístico no pior sentido da palavra, um artifício fácil combinado entre Faustão e o histriônico senador. Suspense.

– Qual sua nota, Randolfe?! Atenção! Dezenove horas e quarenta e dois minutos. Randolph Frederich Rodrigues Alves, sócio antigo aqui, o amigo do Caetano e da Paula, vai dar a nota que pode decidir a dupla campeã. Qual a sua nota, Randolfe?!

– Sinto muito decepcioná-los, mas...

Alexandre de Moraes se percebeu tenso. E, no espaço entre uma e outra reticência, encontrou o argumento irrefutável para condenar os vândalos do 8 de janeiro. Tomara que ele não esqueça.

– Vamos, Randolfe! A direção tá me azucrinando aqui no ouvido! Dezenove e quarenta e três! Daqui a pouco eu tenho que entregar pro Fantástico! – provocou Faustão, o coração batendo forte, tinindo de novo.

– Nove vírgula...

“Você me paga! Acha que esqueci de quando você me chamava de golpista? Ou era de fascista?”, pensou Alexandre de Moraes, a icônica calva agora coberta por um suor furioso e vingativo.

– Que nove o quê! Para você, tudo, Xandão. Minha nota é DEZ!

Em meio à chuva de papel picado, Alexandre de Moraes se virou para Cármen Lúcia e a abraçou. Naquele momento de glória, toda a luta contra o extremismo golpista ou sei-lá-o-quê fez sentido.

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