Uma mulher chora depois de ser repudiada graças ao “divórcio unilateral” proposto por Rodrigo Pacheco em seu Novo Código Civil.| Foto: Dall-E
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O autor deste texto não é um personagem. É uma pessoa real que, no entanto, pediu para não ter seu nome revelado. E que vai ser identificado aqui como "mineiro" apenas pelo estilo inegavelmente embriagado de mineirice. Você vai entender. Outra coisa que não é falsa neste texto: a preocupação com o Novo Código Civil proposto pelo come-quieto Rodrigo Pacheco. Pelo contrário, a preocupação é muito, muito, muito real. Porque, se o projeto for aprovado, as mulheres, como se verá, serão as mais prejudicadas.

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Oito de março é o Dia das Muié. Por essas estranhas coincidências, neste ano a data coincidiu com a finalização do minguado prazo de uma semana e meia que o generoso Rodrigo Pacheco migalhou aos brasileiros para lerem, refletirem e se manifestarem sobre as mais de mil páginas de um novo Código Civil Brasileiro.

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No meio desse calhamaço, a comissão de juristas eleitos por Pacheco resolveu restaurar uma figura antiquíssima, conhecida há mais de dois mil anos e chamada de “repúdio”. Que trem é esse? D’ansdionte? Escondidinho no Código Civil do Pacheco? Óia que tem base.

Em diferentes povos antigos, se o homem desgostava da sua mulher, podia “repudiá-la”. E era “dois dedinho”. Tudo muito prático, rápido e sem qualquer burocracia. Bastava fazer uma carta de “repúdio”. Isso existiu, em diferentes modelagens, na Grécia e Roma da Antiguidade, e também no judaísmo e islamismo.

Rabinos e imãs

No judaísmo arcaico, a figura do repúdio é explicada pela seguinte passagem: “Quando um homem tiver tomado uma mulher e consumado o matrimônio, mas esta, logo depois, não encontra mais graça a seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente, ele lhe escreverá então uma ata de repúdio e a entregará, deixando-a sair de sua casa em liberdade” (Dt 24, 1-2).

Lá naquele tempo isso era uma crueldade, sô! A mulher repudiada comia o pão co diabo pisoteou. Até a sobrevivência de uma mulher repudiada corria risco. Ninguém podia nem falar com a “repudiada”. E era bem fácil para isso acontecer. Para o rabino Hillel, qualquer motivozinho (até aquela comidinha tiquim ruim, feita apressada), podia dar em “repúdio”. O rabino Schammai até tentou ajudar. Ensinava só poder repudiar em caso de adultério da mulher. Mas não colou muito.

No direito islâmico é permitido aos homens colocar um fim no casamento. Para isso, bastaria ao homem dizer: “anti talaqti ou mutallaga”, que significa: “eu te repudio”. Recentemente, Francisco Teixeira da Mota relatou a triste história de Joana, uma portuguesa casada com Kedar, cidadão dos Emirados Árabes Unidos. Em 2015, essa senhora foi surpreendida pela notícia que, sem saber, ela já estava divorciada. Seu marido havia declarado o “repúdio islâmico”, que fora confirmado pelo Tribunal Sharjah.

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Divórcio unilateral

Pois não é que, quietinho, sem chamar a atenção, o trem bão do Pacheco quer trazer de volta o “repúdio”? Querem reviver esse nigucin, que tanto prejudicou as mulheres, símbolo de violência e desprezo, com um nome bunitinho! Será que deu tempo para as mulheres perceberem isso na semana e meia que o Dr. Pacheco concedeu para lerem, entenderem e se manifestarem sobre as mais de mil páginas apresentadas no site do Senado?

O mineiro Flavio Tartuce, da Comissão do Pacheco, disse dias atrás que queria promover maior "fluidez" nas relações, facilitando os processos de casamento e divórcio: "As relações hoje são mais fluidas. Se facilitamos o divórcio, temos que facilitar o casamento, com redução de tempo e de custos. Um dos objetivos da reforma do Código Civil é destravar a vida das pessoas".

E para tornar as relações afetivas “destravadas” e “fluídas” “criaram” o “divórcio unilateral”. Olha só que breguete genial!!! Dá para fazer sozinho, em cartório, e o outro cônjuge nem precisa saber antes. Tem filho? Problema não! Dá para fazer o tal “divórcio unilateral” mesmo tendo filhos com o incauto parceiro.

Tem base isso, sô? Tem, sim! Tá lá no art. 1582-A, no meio das mais de mil páginas que a Gazeta do Povo leu correndinho: “O cônjuge ou o convivente poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento, ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do artigo 9º deste Código (...) § 3º Na hipótese de não ser encontrado o cônjuge ou convivente notificando, proceder-se-á com a sua notificação editalícia, após exauridas as buscas de endereço nas bases de dados disponibilizadas ao sistema judiciário; § 4º Após efetivada a notificação pessoal ou por edital, o oficial do Registro Civil procederá, em cinco dias, à averbação do divórcio ou da dissolução da união estável”.

Mas não é igualzinho ao repúdio de mais de dois mil anos atrás? Espia só! Os progressistas do Novo Código Civil provavelmente se defenderão. É igual não. A fluidez do casamento que a gente projeta é para todo mundo! O homem pode repudiar a mulher, a mulher pode repudiar o homem, o homem pode repudiar o homem. E segue o bololô.

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Como se não houvesse amanhã

Alguém precisa avisar este pessoal que essa ideia também é antiga. O bololô de todo mundo poder “repudiar” todo mundo é muito mais velho. No século V a.C., mais de 2.500 anos passados, segundo os papiros de Elefantina, a mulher também podia repudiar o homem. Tudo era fluído. Destravado.

Não há nada de novo no “repúdio”. E de nada adianta esconder essa figura com palavrinhas e expressões da moda como “fluidez” e “divórcio unilateral”. Se pegar, o Novo Código Civil será mais velho do que andar pra frente. No final das contas, para o Novo Código Civil não há nenhum problema se o hómi se apaixonou pela manhã, se casou à tarde, engravidou a mulher à noite e a repudiou grávida na semana seguinte, deixando no ventre dela algo que não é vida, mas mera “potência de vida”.  

Tudo isso é muito cruel. O projetado art. 1582-A é pensado para uma sociedade de irresponsáveis, orientados a viver como se não houvesse amanhã.

E se nossas antepassadas que viveram dois mil anos atrás pudessem ressurgir e ver o que se passa no Brasil de Pacheco e seu Novo Código Civil ? O que nos diriam dessa novidade? O que diriam às suas netas do presente? Será que essas antepassadas comemorariam o Dia da Mulher? E se este Código Civil vingar? O que dirão as mulheres do futuro? Senador Pacheco, o Brasil merecia algo melhor para o 8 de março de 2024.