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Prigozhin
Yevgeny Prigozhin: tanta ambição e coragem não lhe valeram de nada.| Foto: EFE

Veja só como são as coisas. Estava aqui todo cabisbaixo, assimilando umas derrotas da vida pequena e pensando no caos da vida grande, quando chegou a notícia de que o mercenário russo Yevgeny Prigozhin, carinhosa, jocosa e mineiramente chamado de Perigozin, morreu num “acidente” de avião. A aeronave, por sinal, é de fabricação brasileira. Mas não sei se é caso de orgulho nacional.

Por conta do (tantas aspas quanto é possível imaginar) acidente (fecha aspas), agora nos próximos dias ou umas poucas horas teremos a interessante oportunidade de deixar de lado os Alexandres de Moraes, os Lulas e os Bolsonaros da vida para, um tanto quanto sadicamente, nos deliciarmos com as melhores e piores teorias da conspiração envolvendo a morte do líder do grupo Wagner. Sobe o som da Cavalgada das Valquírias aí, DJ!

Enquanto você escolhe a análise geopolítica mais louca disponível no mercado (até porque as mais loucas, sobretudo as ditas naquele tom sério de quem tem todas as respostas do mundo, são as mais divertidas), por aqui reflito que...

Não, pera! Porque acaba de me chegar a informação exclusivíssima e quentíssima e até um tanto quanto maluquinha de que, como o avião que caiu era da Embraer, o mandante do crime foi ninguém mais ninguém menos do que o parça de Putin aqui no Brasil. Mas de quem será que eles estão falando, hein? Esse povo inventa cada uma...

Brincadeiras à parte, penso no peso que essa notícia poderia ter em tempos menos caóticos. Nas reflexões que ela poderia gerar se não estivéssemos tão viciados em reagir e em pôr a culpa no próximo – por tudo. Penso no humor e principalmente na tragédia envolvidos nessa morte tão distante, mas que as discussões virtuais tornaram tão próxima. Até ontem ninguém nem sabia quem era Prigozhin. Hoje ele parece um tio ou uma dessas autoridades soberbas & supremas que acham que têm algum poder sobre nossas vidas minúsculas.

O Александр де Мораес deles

As notícias não param de chegar e agora parece que o Prigozhin não morreu. Que disse que estaria num avião, mas estava em outro. Que deu um drible rápido que deixou tanto a Indesejada quanto o Putin a ver navios. No caso, a barca do Caronte e o Encouraçado Potemkin, respectivamente. E até o fim deste parágrafo é bem capaz de ter morrido de novo, mas agora tomando um chazinho de polônio ou se suicidando com 70 facadas nas costas ou qualquer outra forma russa de morrer e ser morrido. Que coisa.

Mas minha função como cronista é também fazer alguma relação entre essas notícias inalcançáveis e nosso cotidiano particular. Não que o leitor esteja lá muito interessado. Na verdade às vezes tenho a impressão de que alguns leitores têm ojeriza ao próprio reflexo. Mas isso não vem ao caso e, no mais, dever é dever. Por isso é que neste instante eu lhe peço para fechar os olhos e se colocar no lugar do Prigozhin minutos antes de o avião no qual ele viajava ser abatido pelos russos.

Tá, pode abrir os olhos senão você não vai conseguir ler o restante do texto. Mas se coloque no lugar dele mesmo assim, de olhos bem abertos. Tente imaginar as ambições do homem que ousou desafiar Vladimir Putin – assim uma espécie de Александр де Мораес deles. Receba os tapinhas nas costas. Sorria de orelha a orelha com o dinheiro. Farte-se das melhores vodcas e caviares. Sinta a emoção de ter sua cabeça a prêmio. Ouça a multidão admirando sua coragem e ousadia. Vislumbre os filmes que escreverão a seu respeito. Sonhe com a vitória, os obeliscos e as estátuas equestres.

Tudo para, num instante, ser reduzido a um amontoado de escombros e restos humanos impossíveis de serem identificados. Será que morreu o Prigozhin no meio de um raciocínio? De um sonho? De uma lembrança? Que palavra penderá para sempre de sua boca, sem jamais conhecer o fonema final? Teve tempo de se arrepender esse homem que era filho, pai e marido – e se foi? Tudo em busca de uma glória que, por mais duradoura que seja, sempre será menos do que a Eternidade.

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