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Flávio Dino
Flávio Dino (detalhe): a imagem inteira ficaria pesada demais.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Na segunda (27), logo que acordei, li a notícia de que Lula indicaria mesmo Flávio Dino para o lugar de Rosa Weber no STF. E o primeiro pensamento que me veio à mente foi: “Poxa, logo agora?”. Logo agora que Gilmar Mendes escancarou a ditadura do Judiciário em que vivemos? Logo agora que a direita conseguiu reunir milhares de pessoas para chamar Alexandre de Moraes do que ele é? Logo agora que Rodrigo Pacheco parecia ter despertado do seu coma político?

Aí tomei café, me troquei e saí de casa. Assim que cheguei ao portão, porém, senti uma gota de chuva na ponta no meu nariz e pensei: “Será que vai chover?”. Sei que isso não tem nada a ver com Flávio Dino no STF, mas pensei e, pensando bem, essa dúvida meteorológica acabou se revelando como a única coisa mais ou menos boa e real que pensei até ter um acesso de fúria. Como vocês que chegarem até o fim da crônica perceberão.

Continuando a pensar, eis que de repente o que me veio à mente foi uma comparação apressada entre Flávio Dino e a ex-ministra Rosa Weber. Aquela cujo último ato na Suprema Corte foi querer bancar a Ruth Ginsburg e descriminalizar o aborto. “Flávio Dino é 0,001% melhor do que Rosa Weber”, pensei, desta vez dispensando tanto o ponto de interrogação quanto a calculadora científica. Não é um alívio, de jeito nenhum. É só uma constatação incômoda de que o baixíssimo nível do STF não é de hoje.

Foi então que o advérbio de tempo me empurrou na areia movediça da nostalgia. “Antes era melhor”, pensei, me lembrando do ministro Adaucto Lúcio Cardoso. Que, em 1971, quando o STF considerou constitucional a Lei da Censura Prévia, se despiu teatralmente da toga e abandonou o STF – para nunca mais voltar. Vocês conseguem imaginar algo remotamente parecido hoje em dia? Nem eu. Daí porque não consegui me livrar do “antes era melhor” e já estava perdendo o fôlego. Até que.

Orvalho!

Até que fui salvo pelo humor tosco e ingênuo que graças a Deus me acompanha. Pensei no tamanho da poltrona de Flávio Dino no STF, nos quilômetros quadrados de tecido a serem usados para a confecção da toga, na licitação de contêineres e mais contêineres de lagosta, na força da gravidade e no IMC. “Vai ser um desastre impossível de ignorar”, pensei e, quando me vi livre da deprê suprema, até esbocei um sorriso. É bem verdade que o pensamento “mas ele vai criminalizar a gordofobia” tentou me jogar de novo na areia movediça, mas fui mais rápido e me desviei a tempo.

Tomando todo o cuidado do mundo para não me deixar afundar na melancolia novamente, segui pensando. “Será que o Senado vai aprovar?”, me perguntei e, por um instante, me permiti imaginar que não. Que, pela primeira vez desde 1894 (!), o Senado rejeitaria o nome de um indicado ao STF. Mas aí lembrei que nosso Senado é habitado por figuras como Romário e Kajuru, sem falar no Astronauta, e tive um ataque de riso. Sério. Quase morro engasgado com esse pensamento.

Salvou-me a boa lembrança de uma conversa com um amigo. No começo do ano, durante um almoço, ele que é mais experiente do que eu disse que Flávio Dino não duraria muito (no Ministério da Justiça) porque “é tosco demais”. Diante da lembrança, ri. Mas juro que não foi schadenfreude nem eu-avisei nem nenhuma perversidade do tipo. Se ri foi da nossa desgraça, pois a indicação de Dino ao STF é prova de que estamos sendo governados por uma gente que recompensa os toscos & tacanhos.

Aí vocês vão me desculpar, mas não aguentei e pensei: “P&%$ @)* &$@*&, %&%#@¨$#!!!”. Mas talvez eu tenha pensado um pouco alto demais, porque as pessoas ao meu redor me olharam como se tivessem entendido o que aqueles símbolos todos significavam. Assim que expliquei o que estava acontecendo, porém, elas me pediram para continuar e não hesitei. Respirei fundo e rimei araruta e suco de caju. Orvalho!

Taí

Mais calmo, me lembrei de algo que li no perfil do professor Sidney Silveira no Instagram. “O mal se paga com o bem, a injustiça com a justiça”, pensei, reproduzindo as palavras dele, que usava Santa Francisca Romana, São Tomás de Aquino e uma imagem do "Jardim das Delícias Terrenas", de Hieronymus Bosch, para falar do Inferno a que estão submetidas as almas que fazem o mal. E como devemos combatê-las.

Por fim, pensei em Lucas 9:25, um versículo que não sai da minha cabeça e que tem regido minha vida há alguns meses. “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder-se a si mesmo e se causa a sua própria ruína?”, pergunta o evangelista, ecoando as palavras de Jesus para os apóstolos. E em pensando nisso pensei que era uma boa forma de encerrar a crônica. Taí.

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