Uma versão curitibana e chuvosa do quadro “O Filho do Homem”, de René Magritte.| Foto: Paulo Polzonoff Jr.
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Augusto, eminente e excelso leitor,

Já faz algum tempo que estou para responder a esta pergunta que me fizeram outro dia e que eu mesmo de vez em quando me faço: quem sou eu? Hoje me parece que é uma boa oportunidade. Não só de esclarecer essa dúvida que me acompanha há quase cinco décadas, mas também de me apresentar a você, leitor, e sobretudo de tentar desfazer um equívoco eternizado pela Internet. Será que consigo?

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Acontece que, na falta de um verbete com meu nome na Wikipedia, quem fica curioso em saber quem é o autor destas cartas, crônicas e artigos recorre ao velho, burro e desatualizado Google, que por sua vez responde com um texto que escrevi há uns bons vinte anos, e no qual falo sandices como “sou social-democrata” e “sou flamenguista”. Já tentei ser isso e muito mais. Até libertário e crítico de literatura tentei ser. Mas nunca fui. No máximo, estive.

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A verdade é que há apenas dois ou três anos estou descobrindo quem sou realmente, para além das muitas máscaras que a gente veste na juventude, ora tentando impressionar uma moça, ora tentando se estabelecer no mundo adulto. Se até fã de Chico Buarque já me considerei, imagine o resto! Já tive minha fase de ateu e, depois, gnóstico. Já me perdi em vários descaminhos até perceber que estava dividindo lavagem com os porcos. Aí deixei de tentar ser o que o mundo queria que eu fosse para ser algo mais próximo do que sou.

Se bem que estava pensando aqui que todo mundo é duas coisas: o que de fato é e aquilo que é para os outros. O que me obriga a reconhecer que às vezes sou vilão. Se a imagem que fazem de mim é ou não justa, não me cabe dizer. Tento, já disse, tento sempre conversar e passar o melhor de mim, escondendo bem escondidinho aquele outro lado que, acredite, também me aterroriza. Nem sempre consigo, porém. Daí a impressão de vilania – algo inevitável para alguém que se expõe tanto.

Falei, falei e não disse. Sou, antes de mais nada, católico. Sou um homem comum. Sou jornalista e tradutor; escritor nem tanto, porque sempre falta tempo. Pelo menos essa é a desculpa que dou para mim mesmo. Não gosto de viajar e torço sofro pelo Coxa. Sou marido e minha mulher me manda acrescentar que sou muitíssimo bem casado. “Põe itálico e negrito nesse ‘muitíssimo’ aí”, ela está dizendo aqui ao lado. Sou pai. Sou filho. Sou irmão. Sou amigo, amigo mesmo, de fé e irmão camarada – mas só para quem aceita a vulnerabilidade da amizade.

Em política, sou mais antipetista do que qualquer outra coisa. Acho que posso me dizer também conservador. Rejeito burocracias de quaisquer tipos e acredito que as pessoas deveriam resolver suas divergências mais na base da honra e da verdade do que na base das leis ou manuais de conduta. Como se percebe, sou meio ingênuo, ou tento ser. Mesmo que isso faça de mim um tolo às vezes. Às vezes?! Sou melancólico, mas não deprimido. Não mais. Sou gordo do tipo que diz que “é apenas sobrepeso”, calvo e míope. Tenho seis dedos em cada pé – o que é mentira, mas talvez não seja. Jamais saberemos...

Uma característica minha que descobri há pouquíssimo tempo: gosto de gente. Gente de qualquer tipo. Até dos chatos eu gosto, embora os aprecie com moderação e a uma distância segura. Gosto de conversar, para mim a vida é uma grande conversa e, por falar nisso, fiquei impressionado com reações bastante antipáticas à minha última carta. Como tem gente amarga nesse mundo! Mas, como estava dizendo, gosto de gente, até dos chatos e dos perversos e daqueles que despertam pena. Afinal, uma pessoa tem que ser muito infeliz para dispensar um bom papo-furado hoje em dia, não acha?

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Que mais? Sou peripatético. Sou, sempre fui e acho que jamais deixarei de ser cdf. Sou dado a uns surtos de nostalgia. Sou carentão. Sou dorminhoco. Sou empolgado. Sou curioso. Sou honesto até o último fio de cabelo (modo de dizer, claro) e fico furioso quando questionam minha honestidade. Sou exigente – provavelmente demais. Sou do tipo que faz piadas inapropriadas e depois fica se sentindo culpado. Sou bom churrasqueiro.

Sou sobretudo uma pessoa bem melhor do que já fui um dia, antigamente, naquele tempo em que achava que era alguma coisa. Sou pecador. Ah, se sou! Sou mais-que-imperfeito e não vou tentar esconder isso. E se hoje alguém me vê como qualquer coisa, mesmo que seja vilão, e se tenho a oportunidade de vir aqui tentar explicar quem sou, é porque Deus me abençoou. É porque Deus me recebeu de braços abertos depois de eu ter me perdido em delírios de grandeza. Sou – e quem não é? – um  Filho Pródigo. Estou voltando para casa.

Grande abraço e Feliz Páscoa,
Paulo

P.S.: O augusto lá de cima não é nome próprio; é um adjetivo que significa “magnífico”, “majestoso”, “admirável”. Mas se seu nome é Augusto, tanto melhor. A carta fica mais pessoal assim.