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Aniversário
Eu, meu pai e minha mãe no meu aniversário de um ano. Repare nas minhas orelhas… e na samambaia.| Foto: Acervo pessoal

Do meu aniversário de um aninho não me lembro. Restou a foto (acima). Nem do de dois. Já do aniversário de três anos trago uma lembrança provavelmente inventada, mas boa de contar. Nela, o granizo cobriu de branco os gramados do conjunto habitacional onde eu morava. Parecia neve, mas não era. Ao cair da tarde, minha mãe chegou com um bolo – teria sido Martha Rocha? Uma vez saciado, me sentei em frente à televisão para ouvir Cid Moreira anunciar a morte de um cara aí. Levei muitos anos para saber quem era John Lennon.

Desde então, todos os anos prometo investigar a veracidade dessa memória. O segredo está no granizo. Basta consultar os arquivos desta Gazeta do Povo e descobrir se choveu granizo naquele dia 8 de dezembro de 1980. Mas o tempo passa, o tempo voa, 8 de dezembro vai, 8 de dezembro vem, e sempre chego à conclusão de que a imaginação provavelmente é melhor do que a realidade. Continuando, só teria lembranças de um aniversário novamente no nada auspicioso ano de 1984. Desta vez, sem o assassinato de nenhum chato (não que me lembre).

Coxinha, brigadeiro, balinha de coco

Meu aniversário de sete anos foi o único com a turma do glorioso colégio Madalena Sofia. Estiveram presentes a Camila e o Leonardo. Acho que a Lilian também foi, mas não tenho certeza. O Fernando foi, mesmo eu não gostando dele. E lá também estavam a Luciana e o Fábio. Meu Deus! Por onde será que anda o Fábio?! Sobre a mesa, havia gigantescas garrafas de 1 litro de Coca-cola. Um luxo. Muita coxinha, brigadeiro que minha mãe passou a noite anterior fazendo, balinha de coco e o bolo. Se não era Martha Rocha, fica sendo.

Até que deu bastante gente, apesar de todo mundo já estar de férias. E apesar de minha mãe brigar com meu pai, dizendo que “ninguém marca aniversário de criança às 15h!”. Ela tinha razão. Dos presentes, me lembro apenas do conjunto de canetinhas em forma de pino de boliche. Presente da Camila, que morava no Jardim Social e na casa de quem comi a melhor nega-maluca da minha vida. Sério, nunca encontrei outra igual.

O professor de literatura

Aí a gente cresce e os aniversários vão perdendo a graça. “Isso é coisa de criança”, devo ter dito o pirralho que fui aos 8, 9, 10, 11,..., 17 anos. Até que aos 18 alguém achou por bem me fazer uma festa surpresa: a primeira e única da minha vida. Afinal, dizia a lenda que eu estava virando homem. Foi uma noite confusa, aquela. Teve churrasco? Teve Martha Rocha (de novo? sim, de novo!)? Não sei. Sei que teve a entrada triunfal dele, o Professor de Literatura que eu idolatrava. E pelo qual, apesar de passados 28 anos, ainda nutro admiração.

(Se ao ler “nutro admiração” você me imaginou dando comida na boquinha da admiração, você é dos meus!)

Não sei se devo falar o nome dele, mas vou: Élio. Élio Antunes. Que me fez uns elogios na primeira aula de redação e do qual eu morria de medo. Só não me perguntem por quê. Élio entrou na festa, me abraçou e me deu os parabéns e um CD do Caetano. E, em fazendo tudo isso, mal sabe ele, mas criou um monstro. O que não vem ao caso. O monstro está morto e enterrado e, no mais, o Élio jamais poderia imaginar. Ainda assim... Desculpe a voz embargada. Acho que terei de dar mais um salto no tempo.

Amigos-para-sempre

Aos 22 anos, o cenário agora é o Bar do Alemão. Numa mesa compridona, estou cercado por amigos-para-sempre – com os quais não falo há mais de duas décadas. Adriano, Digão e Great estavam lá. E é aqui que o proto-homem de 22 anos se iguala ao menino de 3 numa memória provavelmente inventada. Digo, é impressão minha ou duas meninas disputavam meu amor naquele dia?

Claro que não cometerei a descortesia de mencionar o nome delas. E, no mais, o importante mesmo dessa lembrança não são as moças e a ilusão de que sou phoda, e sim a mesa cheia de amigos-para-sempre (com os quais não falo há mais de duas décadas) e a certeza, entre a ingenuidade e a soberba, de que tudo daria certo. Tudo sairia como o planejado. Tudo.

Obrigação de ser feliz

Outro salto no tempo e agora estou no Rio de Janeiro. Exatos vinte anos atrás. Há muita comida sobre a mesa. E gente. Muita gente. Não sobre a mesa, claro. Faz calor e o apartamento está cheio e barulhento. Estou rindo minha risada do Pateta e, para todos os efeitos, estou feliz. Realizando sonhos que nem sabia que tinha. Era o que me diziam e eu concordava. Esse, aliás, é um dos maiores problemas de se morar no Rio de Janeiro, para além da violência que naquele tempo nem era assim: a obrigação de estar feliz, mesmo não estando.

No ano seguinte, o cenário mudou para Nova York. Esperava neve, mas o frio era tanto que caiu uma chuva congelada. Me lembro do locutor dizendo que não se devia tirar as luvas no meio da rua. Mas a caminho do restaurante, para jantar sabe-se lá o que e onde e com quem, desobedeci a recomendação. Só para ver o que acontecia. Só para me sentir vivo. Eu que naquele tempo era meio zumbi.

Minha mulher (a real)

Os anos passaram. Os cabelos rarearam. A pança e o grau dos óculos aumentaram. Completei trinta anos em São Paulo, mas não me lembro de absolutamente nada. Os aniversários caíram na rotina. Isso nos melhores anos! Aquela coisa de parabéns, muitas felicidades, muitos anos de vida, tá ficando velho, hein. Nos piores, o aniversário era meu, mas quem fazia a festa eram os arrependimentos, a nostalgia amarga e aquela insuportável (e mentirosa!) sensação de algo que poderia ter sido e não foi.

Isso durou até 2017, mais ou menos. Quando completei meus quarenta anos jogando boliche. Que coincidência com o que conto no quarto parágrafo, não? Só percebi agora. Naquela noite, também fui ao karaokê e estourei meia dúzia de tímpanos alheios com minha patética interpretação de “With or Without You”. É que, como meus amigos estão cansados de ouvir, eu e minha mulher (a verdadeira, não a personagem) fazemos aniversário no mesmo dia: hoje. Parabéns para ela!

As duas pontas da vida

Como diz o Bentinho em “Dom Casmurro”, aqui também o meu fim foi o de atar as duas pontas da vida. A infância e o hoje – que não é velhice, mas quase. Ao contrário do personagem machadiano, porém, o que espero com isso não é justificar meus erros. Muito menos mentir para mim mesmo. Não. Meu objetivo aqui é passear rapidamente por essas décadas e lembranças agridoces e me reconhecer como pecador. E pedir desculpas a quem fiz e faço sofrer.

Mas não só. Meu objetivo também é agradecer a todos que estão ao meu lado e me querem bem (você sabem quem são) e dar um testemunho breve de uma vida que de retilínea e monótona não teve nada. Uma vida que passou por bons e maus bocados. Uma vida que em muitos momentos se perdeu e se desesperou. Até perceber que, como o sujeito da Parábola do Filho Pródigo, estava disputando lavagem com os porcos... achando que aquilo que lhe serviam era lagosta. E decidir voltar.

Agora me deem licença porque estão me chamando para cantar os parabéns e assoprar as velinhas antes que o prédio pegue fogo. E, sim, o bolo é Martha Rocha. Você tinha alguma dúvida de que seria? Calma! Já vou!!!! Tô dando o ponto final aqui. Pfui.

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