Entre se revoltar diariamente com coisas como a indicação de Flávio Dino ao STF e morar na Suíça, a escolha parece óbvia, mas não é.| Foto: Pixabay/ Agência Brasil
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Já esperava uma reação um tanto mal-humorada dos leitores à indicação de Flávio Dino ao STF. Mas não tão mal-humorada assim. Houve muito choro e ranger de dentes. Uns talvez até literais. Houve revolta e indignação. Aqui e ali, foram ouvidos gritos de “Já era!” e “o Brasil acabou!”. Mas, depois de ter indicado seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, não era previsível que Lula indicasse o nome que mais desagradasse os brasileiros que ele tem por inimigos – nós – e dos quais ele quer se vingar?

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De minha parte, recebi a má notícia (mais uma!) com o que vou chamar aqui de resignação, embora não tenha certeza. Tem horas em que acho que está mais para um desespero contido à custa de uma dose generosa de ingenuidade intencional e muita fé. Mas é uma fé inconstante, reconheço, cheia de rachaduras pelas quais às vezes se infiltra um cinismo viscoso e fedido. Se bem que nos melhores momentos (agora, por exemplo) sou capaz de abrir um sorriso sincero para dizer que tenho certeza de que, venha o que vier, aconteça o que acontecer, a gente aguenta.

Afinal, estamos aguentando os desmandos do Supremo há tanto tempo!... E, desde a posse do egresso do sistema, aguentamos também Anielle Franco, Silvio Almeida, Nísia Trindade, Haddad, Mercadante, Pochmann – enfim, a caquistocracia toda. Isso sem falar nos Randolfes e Janones da vida. Agora, por exemplo, me chega a notícia de que Gleisi Hoffmann está cotada para assumir o Ministério da Justiça. Em meio a esse cenário, convém perguntar: o que é um Dino a mais ou a menos para quem já vive nesse caos político?

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Mas você talvez esteja curioso quanto à pergunta que faço no título deste texto. Uma pergunta que pressupõe uma escolha que parece tão esdrúxula quanto óbvia. É claro que você prefere morar na Suíça, certo? Aquelas paisagens deslumbrantes tendo o Matterhorn ao fundo. Aqueles chalezinhos aconchegantes. Aquelas vaquinhas. O Paulo Coelho praticando arco-e-flecha no quintal ao lado. Etc. Mas talvez a opção não seja tão óbvia assim.

Trens

Acontece que em meio a esse mau humor todo me perguntei, assim como quem não quer nada, se preferia mesmo estar escrevendo sobre assuntos mais amenos – e não sobre um comunista autoritário que chega ao STF para quebrar de vez a balança da Justiça. Ou então me colocando do outro lado da equação: será que preferia estar consumindo notícias mais amenas, que despertassem em mim sentimentos mais amistosos?

Aí pensei num país ideal ou próximo do ideal e cheguei à Suíça. Me imaginei cronista lá. Sobre o que escreveria? Filatelia? Nuvens? Poesia? Aliás, sobre o que escrevem os jornalistas suíços? Quais os escândalos políticos que lhes causam revolta, indignação e essa vontade constante de jogar o celular contra a parede? Foi então que liguei para um amigo que mora na Suíça e. Espere um pouco que preciso lhe mostrar uma figurinha.

"Viajantes desiguais enfrentam atrasos". Crédito: amigo do Polzonoff

Essa é a capa do jornal Le Temps do dia 13 de fevereiro deste ano. A manchete diz algo como “Viajantes desiguais enfrentam atrasos” e a matéria é uma mistura de escândalo e denúncia. Nela se lê que, em 2022, a pontualidade média dos trens suíços foi de 92,5%. Mas (atenção para o escândalo!) no Ticino e na Suíça francófona essa pontualidade ficou bem abaixo do normal: 89,1% e 89,4%, respectivamente. Um absurdo, não?!

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"JFK, 60 anos de teorias da conspiração". Crédito: amigo do Polzonoff

Outra foto, mesmo... marasmo. No dia 22 de novembro de 2023, enquanto os leitores deste espaço expressavam todo o nojo diante da foto de Lula condecorando Alexandre de Moraes com a Ordem do Rio Branco e enquanto o Brasil organizava uma manifestação por causa da morte de Cleriston Pereira da Cunha, a manchete (manchete!) do Le Temps era: “JFK, 60 anos de teorias da conspiração”. Ou seja, enquanto arrancávamos os cabelos aqui (eu que o diga!), o que de mais importante aconteceu na Suíça naquele dia foi algo que aconteceu nos Estados Unidos em 1963.

Acídia nostálgica

Diante desse contrastes entre as modorrentas águas de lá e as águas em redemoinho de cá, me vi obrigado a ir para um cantinho (e não um cantão!) e pensar melhor na escolha que até então era óbvia: morar na Suíça. Ah, a ordem e a prosperidade. Ah, a sensação de estar sendo governado por pessoas honestas e competentes. Ah, a harmonia entre os poderes. Ah, poder acordar pela manhã e prestar atenção aos passarinhos, não a dois mendigos se esfaqueando aqui na esquina de casa.

Por outro lado, foi o que meu amigo que mora na Suíça me disse: toda essa ordem, prosperidade e segurança tem seu quê de tédio. E se aqui muita gente se desespera e joga a toalha, apelando para a acídia nostálgica do “antes era melhor, deu tudo errado, não há mais nada que eu possa fazer”, lá muita gente também se desespera e desiste, mas apelando para o niilismo idealista (?) do “está tudo perfeito, não há mais nada a se melhorar, adeus”.

E é por isso que vou insistir em citar meu amigo Francisco Escorsim, que entre brindes e porções de lambari, disse que “se a gente nasceu no Brasil e vive no Brasil em pleno 2023 de Lula, Alexandre de Moraes e Flávio Dino, é porque essas circunstâncias fazem parte da nossa salvação. É porque a gente aguenta”. Pelo menos foi isso que entendi.

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Agora me dá licença porque parece que Fernando Haddad criou mais um imposto, Lula indicou mais algum energúmeno para um cargo importante, o Supremo tomou outra decisão flagrantemente inconstitucional em defesa do Estado Democrático de Direito e o filme do Lázaro Ramos é um estrondoso fracasso de bilheteria.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]