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Sergio Moro

Sergio Moro

Combate à corrupção

Dez anos da Lava Jato

Esperança de combate à corrupção resiste como legado da Lava Jato
Manifestação em apoio à Operação Lava Jato, em Curitiba, ocorrida em 2016 (Foto: Arquivo/Gazeta do Povo)

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Há dez anos, especificamente em 17 de março de 2014, iniciava-se a Lava Jato, com a prisão de doleiros que lavavam dinheiro de corrupção, crimes financeiros e até mesmo de tráfico de drogas.

Nos meses seguintes, as investigações passaram a acumular provas de um megaesquema de corrupção, centralizado na Petrobras, envolvendo as principais empreiteiras do país e a elite do mundo político em Brasília.

Ninguém, no início, tinha ideia do tamanho do esquema criminoso nem a menor perspectiva de que a operação policial iria ter tanto impacto na política brasileira. Pela primeira vez, o imaginário popular segundo o qual a corrupção era grande em nosso país encontrou provas que o corroboraram e até mesmo superaram as expectativas.

As condenações de Curitiba foram, em sua quase totalidade, confirmadas pelo TRF4 em Porto Alegre (RS) e muitas ainda em Brasília, pelo STJ, isso antes do início da sanha anulatória por tecnicalidades

Sobre a corrupção descoberta, faço minhas as palavras do magistrado italiano Piercamilo Davigo sobre as revelações da Mani Pulite, também apropriadas para a realidade brasileira:

“A investigação revelou que a corrupção é um fenômeno serial e difuso: quando alguém é apanhado com a mão no saco, não é usualmente a sua primeira vez. Além disso, o corrupto tende a criar um ambiente favorável à corrupção, envolvendo no crime outros sujeitos, de modo a adquirir a cumplicidade para que a pessoa honesta fique isolada. O que induz a enfrentar este crime com a consciência de que não se trata de um comportamento episódico e isolado, mas um delito serial que envolve um relevante número de pessoas, com o fim de dar vida a um amplo mercado ilegal.”

Os números variam, mas, considerando apenas a Lava Jato em Curitiba, houve 174 condenados em julgamentos de primeira e segunda instância, 132 prisões preventivas, 209 acordos de colaboração e 17 acordos de leniência com empresas. A Petrobras, em notas oficiais, confirmou que recuperou mais de R$ 6 bilhões graças à Lava Jato.

As investigações espalharam-se como fogo pelo Brasil, com destaque ao Rio de Janeiro – onde o império de corrupção de Sergio Cabral foi desmontado – e ao Supremo Tribunal Federal. Na última semana, o STF informou que, nos processos ali em trâmite, foram recuperados cerca de R$ 2 bilhões.

Infelizmente, este não é o retrato completo.

Com o tempo, as reações políticas contra a Lava Jato cresceram. A corrupção revidou. Adversários do combate à corrupção se fortaleceram. Leis que dificultavam o combate à corrupção foram aprovadas, como a nova Lei de Abuso de Autoridade. Ataques criminosos, como a Vaza Jato, foram realizados contra agentes da Operação Lava Jato. Condenações passaram a ser anuladas por tecnicalidades, principalmente com a alteração da jurisprudência sobre o foro competente para os processos.

Alguns atribuem os reveses aos erros e excessos dos procuradores e juízes, inclusive deste que aqui escreve.

Recente pesquisa feita pela Quaest revela que a população sabe a verdade. Indadaga sobre o que causou o fim da força-tarefa da Lava Jato, a maioria dos entrevistados respondeu que foi a “ação dos políticos para barrar a operação”. Em suma, houve uma reação política.

Não existem erros ou excessos que justificariam o fim da operação. Apesar do discurso abstrato nesse sentido, não vi até hoje nenhuma condenação criminal revertida no mérito, nem nenhuma demonstração de que superlativa corrupção na Petrobras não tenha ocorrido, ou de que algum dos condenados ou presos pela operação era inocente.

Não existem erros ou excessos que justificariam o fim da operação. Apesar do discurso abstrato nesse sentido, não vi até hoje nenhuma condenação criminal revertida no mérito

A invasão criminosa de mensagens de agentes da operação levou a uma fantasiosa alegação de conluio entre Ministério Público e juiz. Ora, mais de 20% dos acusados perante a Justiça Federal de Curitiba foram absolvidos em primeira instância. Dezenas de prisões preventivas requeridas pelo MPF foram indeferidas e denúncias foram rejeitadas. Como se não bastasse, as condenações de Curitiba foram, em sua quase totalidade, confirmadas pelo TRF4 em Porto Alegre (RS) e muitas ainda em Brasília, pelo STJ, isso antes do início da sanha anulatória por tecnicalidades. O conluio também abrangeria os julgadores de outras instâncias, que mantiveram as condenações?

A minha ida ao governo Bolsonaro, em 2018, até pode ser criticada por aqueles que entendem que isso propiciou uma narrativa falsa de que haveria um viés partidário sobre a Lava Jato, mas então dever-se-ia também levar em conta a minha saída um ano e quatro meses depois. Fui ao governo e expliquei na época as minhas razões: queria consolidar o combate ao crime e à corrupção com reformas amplas. Saí do governo pelos motivos já amplamente divulgados. No fundo, o argumento, que considera o ingresso e ignora a saída, é outro dos subterfúgios usados para reação política contra o combate à corrupção.

A narrativa malandra busca culpar pela impunidade superveniente os agentes que atuaram na Lava Jato. O objetivo é ocultar as verdadeiras responsabilidades. Não é dos astros a culpa, mas sim dos adversários do combate à corrupção

Haveria, por exemplo, nos supostos graves erros atribuídos aos procuradores e juízes alguma justificativa possível para os retrocessos de cunho geral, como o fim da prisão em segunda instância, ou para o mais recente ataque à Lei das Estatais? No fundo, como não há como justificar os injustificáveis retrocessos, apela-se para cortinas de fumaça.

A narrativa malandra busca culpar pela impunidade superveniente os agentes que atuaram na Lava Jato – aqueles, aliás, que dedicaram suas vidas ao combate à corrupção. O objetivo é ocultar as verdadeiras responsabilidades. Não é dos astros a culpa, mas sim dos adversários do combate à corrupção.

O diagnóstico correto sobre o fim do combate à corrupção é essencial para que a luta seja retomada, ainda que ela no momento pareça distante em um governo Lula. Não sobrevivem a democracia e a liberdade sem a ética e a integridade.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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