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Miniatura na primeira página de uma edição do século 15 do “Tratado da Esfera” representa o autor da obra, Nicolau de Oresme.
Miniatura na primeira página de uma edição do século 15 do “Tratado da Esfera” representa o autor da obra, Nicolau de Oresme.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Gregor Mendel e Georges Lemaître todos os leitores do blog conhecem, certo? O frade agostiniano que se tornou o “pai da genética” e o sacerdote pioneiro da teoria do Big Bang estão na “primeira linha” quando se trata de padres-cientistas, pensando em termos de “presença pública” – Mendel aparece até nos livros didáticos, enquanto Lemaître começou a ganhar o merecido reconhecimento mais recentemente. No entanto, existe uma infinitude de outros padres que empurraram a ciência para a frente, e que a enorme maioria das pessoas, mesmo aquelas que se interessam pela história da relação entre ciência e fé, não conhece. Os italianos Francesco Agnoli e Andrea Bartelloni – respectivamente, historiador e médico – se propuseram a preencher parte desta lacuna com Cientistas de batina: de Copérnico, pai do heliocentrismo, a Lemaître, pai do Big Bang.

Em pouco mais de 100 páginas, os autores trazem curtos relatos sobre a vida e a obra de 13 católicos – quase todos eles membros do clero, à exceção de Luigi Galvani, que foi terciário franciscano, e Nicolau Copérnico, que não chegou a ser ordenado, mas foi cônego na Polônia – e um capítulo sobre padres sismólogos e meteorologistas. Os retratados se espalham no tempo (cobrindo do século 14 ao 20) e contribuíram com várias áreas da ciência, incluindo física, astronomia, hidráulica, citologia, neurociência e mineralogia. Muitos deles atuaram quando a Igreja já tinha deixado de ser a grande responsável pelas instituições de ensino na Europa, e alguns chegaram inclusive a enfrentar perseguição por serem religiosos, como René-Just Haüy, encarcerado por não aceitar a Constituição Civil do Clero imposta pelos revolucionários franceses, e que providencialmente escapou da morte ao sair da cadeia um dia antes de um festival de justiçamentos populares contra os presos de Paris.

A história da contribuição católica à ciência vai muito além das figurinhas carimbadas que a maioria de nós conhecemos

Tantas pessoas de épocas e especialidades diferentes não tinham em comum apenas o fato de serem também sacerdotes católicos (com as duas exceções já mencionadas); eles também tinham aquilo que chamamos de “unidade de vida”: não viam nada de absurdo em terem fé no Deus cristão e desenvolver uma carreira científica, mas enxergavam esta como uma forma de reforçar aquela. “Compreender a natureza significa celebrar a obra de Deus”, segundo Luigi Galvani, citado no livro. São pessoas que harmonizaram perfeitamente a “última” e a “penúltima” curiosidades, para lembrar o sensacional livro de Andrew Briggs e Roger Wagner que já resenhei aqui no blog. E, para mostrar que esse espírito segue vivo e forte, os autores fecham Cientistas de batina entrevistando o padre-astrônomo Giuseppe Tanzella-Nitti e o padre-físico Alberto Strumia.

Um livro curtinho, com capítulos curtinhos, não tem o objetivo de esgotar nada, obviamente. O objetivo de Agnoli e Bartelloni é simplesmente o de mostrar que a história da contribuição católica à ciência vai muito além das figurinhas carimbadas que a maioria de nós conhecemos, e também não se esgota na relação feita pela dupla de autores, que deixa de fora nomes como Roberto Grosseteste, o papa Silvestre II, Roger Boscovich e Nicolau Steno (que é mencionado no prefácio). Vejo Cientistas de batina como um tipo de “despertador de curiosidade”, com notas de rodapé que remetem a obras mais aprofundadas sobre cada personagem, a exemplo do que fez Thomas Woods no essencial Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental: foi esse livro que me apresentou a figura de Steno, e graças a ele fui atrás de sua biografia The seashell on the mountaintop, que também já resenhei aqui. Da mesma forma, quem se interessar por algum padre-cientista em particular saberá onde ler mais sobre ele.

Como diz o padre Tanzella-Nitti em sua entrevista, padres-cientistas foram muito mais numerosos no passado devido a uma série de circunstâncias históricas. Eles não são, nem deveriam ser a norma na Igreja de hoje. Continuarão existindo, até porque muitos descobrem a vocação sacerdotal depois de estabelecer carreira científica; haverá quem deixe a pesquisa de lado para se dedicar apenas ao sacerdócio, mas outros conciliarão ambas as missões, lecionando em escolas ou faculdades católicas, ou atuando em instituições como o Observatório Vaticano. No entanto, que hoje tenhamos menos padres com esse perfil em nada diminui ou anula o fato básico de que a fé católica é plenamente compatível com a pesquisa científica séria e todas as descobertas que a humanidade tem feito a respeito da natureza.

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